The Echo Chamber (2021) de John Boyne

by - outubro 30, 2021

 

Sinopse: Que maravilha é um telemóvel. Cem gramas de metal, vidro e plástico, transformados um objeto elegante, brilhante e precioso. Ao mesmo tempo, uma porta de entrada para outros mundos - e uma arma traiçoeira nas mãos dos incautos, dos inconscientes, dos ineptos.

A família Cleverley vive uma vida dourada, pouco percebendo quão precário é o seu privilégio, a apenas um tweet de distância do desastre. George, o patriarca, é um robusto entrevistador da televisão, um "tesouro nacional" (as suas palavras), a sua esposa Beverley, um célebre romancista (embora não tão célebre como ela gostaria), e os seus filhos, Nelson, Elizabeth, Aquiles, vários graus de catástrofe à espera de acontecer.

Juntos irão numa viagem de descoberta através da selva Hogarthian da vida moderna, onde as presunções do passado não contam para nada e reputações cuidadosamente curadas podem ser destruídas num instante. Pelo caminho aprenderão quão volátil, quão indignado, quão imperdoável o mundo pode ser quando se sai do caminho proscrito.

Impulsionada pelo humor característico de John Boyne e pela observação afiada, A Câmara Ecológica é um abrigo satírico, uma espiral vertiginosa de ação e consequência, posicionada algures entre a farsa, o absurdo e o esquecimento. Errar é talvez ser humano, mas para se errar realmente só é preciso um telefone.



★★★★☆

Parece que este John Boyne é um tipo muito conhecido mas, francamente, nunca tinha ouvido falar nele e, se não fosse oleitorconstante, provavelmente este livro ter-me-ia passado completamente ao lado. Andava eu a fazer uma ronda pelos stories, quando vi uma publicação dele onde descrevia The Echo Chamber como « uma sátira social sobre o cancel culture ». Ora estando eu farta até ao âmago do meu ser de todas estas pseudo-tretas dos ativistas de sofá que acham que ativismo é mudar a foto de perfil do facebook, soube logo que este era um daqueles livros que não podia deixar de ler. E digo-vos uma coisa: 0 arrependimento.

Como sabem, gosto muito de distopias. Já por uma ou outra vez a leitura me levou para cenários onde se exploram os efeitos nefastos da tecnologia nas nossas vidas. Mas sempre numa perspetiva em que a tecnologia quase que subjuga a vontade humana. Em The Echo Chamber é mais ou menos explorado o mesmo problema mas, numa outra vertente: de que modo é que a estupidez humana, aliada a esta poderosa ferramenta que é o telemóvel, está a deteriorar a forma como vivemos e, aos poucos, a tornar muita gente numa espécie de esponja que absorve tudo o que lê sem nunca questionar nada, e sem ter o mínimo espírito crítico. Dou como exemplo o facto de existir a Flat Earth Society. Andavam os nossos antepassados a achar que por esta altura teríamos carros voadores e afinal há quem ande a discutir se a terra é ou não redonda.

Sabemos que nos últimos anos têm surgido uma série de movimentos sociais e há quem se identifique com todos eles e seus opostos, dependendo do que causar mais engagement. Umas afirmações marcantes aqui, umas fotos acolá, e todos se acham os maiores SJW de que há memória, mesmo que às vezes defendam comportamentos que são o oposto da ideologia que também defendem. Lá está: engolem tudo o que lhes metem pela frente. E se alguém tenta usar da razão, arrisca-se a ser logo classificado de homofóbico, racista, xenófobo, machista e por aí fora.


Na minha opinião, o autor conseguiu captar de forma absolutamente brilhante este clima que se vive atualmente, principalmente através de uma das personagens centrais, George Cleverley. O tipo é apresentador de um talk show da BBC e não se pode dizer que seja retrógrado... Ele tenta até estar a par das tendências e dos termos que se usam hoje em dia mas às vezes é, simplesmente, demasiado confuso. Como aquela vez em que segurou a porta para uma estagiária passar e ela praticamente lhe arrancou a cabeça, enquanto gritava que era perfeitamente capaz do processo de entrar no edifício sem precisar de ser assistida por um homem.

« I try to keep up, I really do, but every day something else has changed and it's impossible to stay abreast of it all, don't you agree ? »

E como esta, há uma série de outras situações em que, o mais triste, é que se percebe que ele não tem realmente preconceitos mas, como não disse exatamente aquilo que era suposto dizer, acaba linchado na praça pública.

O livro acompanha também outras personagens, todas elas muito interessantes... e absolutamente estranhas. 

Beverley Cleverley, esposa de George, é uma escritora que... não escreve absolutamente nada. Sim, leram bem. Para ela, o papel do escritor é dar a ideia, e cabe depois ao ghost writer passar para o papel. A parte mais complicada é, sem sombra de dúvida, o conceito. E Beverley tem uma ideia muito clara do que pretende...

« Well, a novel must have interesting sentences that gather together to make fascinating paragraphs. I believe very strongly in the idea of the chapter - that's crucial. And good spelling. And the characters are very important to me. It might sound simplistic to say they should be clearly divided into what one might call "the good guys" and "the bad guys" »


Para além deste casal tão interessante, temos os filhos que são, no mínimo... invulgares. Nelson, é um professor que tem uma obsessão por fardas. Não por homens ou mulheres fardadas, mas por fardas em si. Não é assim incomum vê-lo vestido com um colete das obras, com uma farda de enfermeiro, ou até de polícia. Elizabeth é a filha que não faz nada para além de tentar ser influencer e mesmo assim a vida não lhe corre bem porque, claramente, não tem jeito para isso. A ela junta-se um namorado, também com aspirações a influencer que « prefer not to orgasm in her presence, believing it was a symbol of male dominance over woman » e que já decidiu que « their first child (...) would be brought up gender neutral. In fact, it wouldn't be allowed to look at its own genitals until it was eighteen ». Por fim, Achilles, o rapaz bonito da família, que se diverte num jogo do gato e do rato com homens muito mais velhos. 

Ah, há também uma tartaruga com cento e tal anos que é alimentada de chocolates after eight, e um dançarino que tem sexo com todas as mulheres com que se cruza.

Pessoalmente, gostei bastante deste livro. A crítica social foi, sem dúvida, aquilo de que mais gostei, talvez por me rever na perspetiva do autor. Mas o desenvolvimento das personagens e da sua história não ficou nada atrás! Aquilo começa por abordar um ou outro problema, pontual. Os problemas pontuais crescem e continuam a crescer. Às tantas, já só dava comigo a pensar que mais é que faltava acontecer! E não fiquei desiludida...

Portanto, se gostam de críticas sociais incisivas e sem dó nem piedade, ponham The Echo Chamber na vossa lista de próximas leituras!


« It's all offence, offence, offence, these days, isn't it? Every person vying with everyone else to see who can be the most affronted, who can show that they're the most Woke - that's the word, isn't it? - and each one more desperate to prove that they're morally superior to the poor unfortunate idiot who's been dragged into their cauldron of pain. Frankly, the whole thing sickens me. There peope are morons, Shopie, every one of them, with their fake names and their fake profiles, screaming into the wind for no other reason than that no one is listening to them in the real world. »

The Echo Chamber 

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