A Caixa em Forma de Coração (2007) de Joe Hill
★★★☆☆
Sinopse:
Judas Coyne coleciona o macabro: um livro de receitas para canibais... uma corda usada num enforcamento... um filme snuff. Uma lenda do death metal de meia idade, o seu gosto pelo bizarro é tão conhecido entre a sua legião de fãs como os excessos da sua juventude. Mas nada do que ele possui é tão inverossímil ou tão medonho como a sua última descoberta, um artigo à venda na internet, uma coisa tão estranha que Jude não consegue resistir a pegar na carteira.
Por mil dólares, Jude tornar-se-á o orgulhoso dono do fato de um homem morto que se diz estar assombrado por um espírito inquieto. Ele não tem medo. Passara a vida a lidar com fantasmas - o fantasma de um pai violento, o fantasma das amantes que abandonara sem compaixão, o fantasma dos companheiros de banda que traíra. Que importância teria mais um? Mas o que a transportadora entrega à sua porta numa caixa preta em forma de coração não é um fantasma imaginário ou metafórico, não é um benigno motivo de conversa. É rea. [Fonte: Hill, Joe. A Caixa em Forma de Coração. Porto: Civilização Editora (2008)]
Opinião:
Li A Caixa em Forma de Coração pela primeira vez em 2008, pouco depois do seu lançamento. Nessa altura, Joe Hill era ainda um tipo pouco conhecido no panorama literário e este foi o seu livro de estreia. Costuma dizer-se que « quem sai aos seus não degenera », e a verdade é que este primeiro livro do filho daquele que é conhecido por muitos como o mestre do terror - sim, Joe Hill é filho de Stephen King - foi galardoado com o Bram Stoker Award (2007) e com o Locus Award (2007), ambos na categoria de Best First Novel.
Joseph Hillstrom King a.k.a Joe Hill |
A personagem central da história é Judas Coyne, um antigo guitarrista de uma banda de metal da qual ele é o único elemento ainda vivo, e que tem uma coleção privada de « coisas grotescas e bizarras ».
« Jude tinha o crânio de um camponês que tinha sido trepanado no século XVI para deixar sair os demónios. (...) Tinha uma confissão com trezentos anos assinada por uma bruxa. (...) Tinha um nó corredio rijo e gasto que tinha sido usado para enforcar um homem na Inglaterra ao virar do século XIX, o tabuleiro de xadrez da infância de Aleister Crowley e um filme snuff. »
Por isso, nem sequer hesita quando o seu assistente lhe chama a atenção para um leilão onde está a ser vendido um fantasma. « Compre o fantasma do meu padrasto », diz o anúncio. E com a simplicidade de um clique, Judas Coyne é agora o feliz proprietário de mais um item bizarro para incluir na sua coleção privada.
Dias depois, chega a sua casa uma caixa grande, brilhante e preta, em forma de coração. Dentro dela, um fato « preto e antiquado » com botões prateados e « tão escuro como penas de corvo » ... O fato do homem morto. E poderia ser apenas um fato. Apenas mais um artigo que passaria a fazer parte da coleção privada de Judas. Poderia... até o fato começar a aparecer em locais inesperados...
Durante algum tempo, Judas procura explicações racionais para o que se passa mas, rapidamente percebe que os vislumbres que tem de uma figura sentada numa cadeira apenas têm uma explicação: o fantasma é real. Pode tentar ignorá-lo, pode até virar a cara e fazer de conta que ele não está lá mas isso não altera a realidade. E de uma coisa ele tem a certeza: o fantasma não veio para conversar.
Torna-se assim essencial descobrir a origem deste fantasma e, talvez dessa forma, encontrar uma forma de se ver livre dele. Mas, as respostas que irá encontrar não auguram nada de bom: o fantasma que o assombra pertence a Craddock McDermott, padrasto da sua anterior namorada, e parece ter regressado dos mortos com uma insaciável sede de vingança pela forma como Jude a tratou e que acabou por resultar no seu suicídio.
« Estava deprimida. Ela sempre foi depressiva, mas você fê-la piorar. Estava demasiado infeliz para sair de casa, procurar ajuda, ver alguém. Você fez com que ela se odiasse a si mesma. Você fez com que ela quisesse morrer. »
À medida que avançamos no livro e vamos descobrindo mais acerca de Craddock e da forma como ele atua, mais nos apercebemos que a situação é bem mais complicada do que parecia inicialmente. Ele não veio para tomar chá, e a situação não é nada que se resolva com demonstração de arrependimento genuíno. Ele veio para matar Jude e todos aqueles que o decidirem ajudar, e nem sequer precisa de sujar as mãos para o fazer. Craddock, que se auto intitula como mentalista, « aprendeu hipnotismo a torturar vietcongues no exército e continuou com aquilo quando saiu. Há qualquer coisa quando ele fala, nós temos simplesmente de fazer aquilo. De repente é como se estivéssemos sossegados, a vê-lo conduzir-nos para aqui e para ali. O nosso corpo é uma roupa e é ele que a está a usar (...) ».
Judas e a sua atual namorada, Marybeth, estão convencidos que será apenas uma questão de tempo até que o fantasma consiga cumprir o seu propósito, e a prová-lo estão as diferentes ocasiões em que se vêem a funcionar como uma espécie de marionetas, sem ter qualquer controlo sobre os seus próprios atos. A qualquer momento Marybeth pode ser levada a degolar-se a si mesma. Assim como, a qualquer momento, Jude pode ser levado a dar um tiro na cabeça da namorada e matar-se de seguida. E não há nada que possam fazer para o evitar... ou haverá ?
Conforme a história progride, ambos vão descobrindo formas de combater a influência de Craddock, ao mesmo tempo que desvendam que, afinal, a motivação para o suicídio de Anne pode ser bem diferente daquela que o fantasma alega. Isto, se tiver sequer havido realmente um suicídio...
Pessoalmente achei A Caixa em Forma de Coração um livro de rápida e fácil leitura, com uma excelente dose de suspense e que me deixou muitas vezes com a sensação de tragédia iminente e inevitabilidade. O fantasma é um verdadeiro stalker e, a determinado ponto, ficamos com a sensação que, independentemente daquilo que se faça, não há forma absolutamente nenhuma de lhe escapar.
A tensão é uma constante e, houve vezes que dei comigo a ler na diagonal, não porque estivesse aborrecida mas porque o que se estava a passar era tão empolgante que até comecei a saltar linhas inadvertidamente. Por isso, foi preciso respirar fundo, abrandar um bocadinho e voltar atrás umas quantas vezes.
Gostei também da forma como o autor conseguiu um fantástico equilíbrio entre a fantasia e a realidade. Essencialmente, tudo o que se passa no livro, é perfeitamente plausível, à exceção do fantasma - e mesmo isso será, para algumas pessoas, discutível -. Ainda assim, na minha opinião, o mais realista de tudo é a forma como as personagens se comportam: a negação inicial, a tentativa de racionalizar uma coisa que não pode ser racionalizada, e por último a tentativa desesperada mas decidida de pôr fim a uma coisa sob a qual não têm absolutamente nenhum controlo.
Apesar de tudo isto, achei que o final deixou um pouco a desejar e tive exatamente a mesma sensação que costumo ter com os livros de Stephen King: toda a história está extraordinariamente bem construída, as personagens são fantásticas, o enredo tem a dose certa de suspense... e depois parece que o autor decidiu que « já está bom » e decidiu dar o livro por encerrado, polvilhando tudo com uma boa dose de purpurinas e arco-íris. Para mim, teria sido bem mais interessante um final em aberto ou uma cena sanguinária ao estilo de George Martin.
Ainda assim, se aquilo que procuram é um livro relativamente assustador, bem construído, e com personagens com as quais se poderão identificar, A Caixa em Forma de Coração será uma opção a considerar!
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