O Planeta dos Macacos (1963) de Pierre Boulle

by - maio 08, 2020

O Planeta dos Macacos
★★★★★
Sinopse:
A ficção científica - um dos géneros literários mais fecundos do momento que passa - está muito longe do divertimento fantasioso, da brincadeira inconsequente e da mistificação poética: pretende através de histórias imaginárias (onde se acentuam, apenas, os traços do retrato que somos), levar a cabo uma crítica impiedosa da sociedade contemporânea e interrogar-se sobre o futuro do homem. Assim acontece em « O Planeta dos Macacos », extraordinário romance de Pierre Boulle, já adaptado ao cinema com assinalável êxito: através de uma história ocorrida em 2500, analisam-se, objetivamente, muitos aspectos do nosso tempo, com humor, mas também com desassombro. Talvez a intenção do autor, parafraseando a personagem principal do livro, resida em denunciar o perigo que representa um progresso não controlado. Mas quem sabe se a meta não foi, antes, a de tentar evadir-se para outro campo, provando que em toda a parte há poetas e farsantes? A resposta encontra-se na vida da prodigiosa Betelgeuse, com todo o seu complexo estelar, que gira em redor das eternas ambições humanas... (Fonte: Boulle, Pierre. O Planeta dos Macacos. Cacém: Editores Associados (s/d)].



Opinião:
Com a pandemia Covid-19 e o consequente encerramento das livrarias, acabei por ficar limitada às encomendas online. Mas, como um mal nunca vem só, os livros que encomendei estão a demorar uma eternidade a chegar. Portanto, decidi ver o que tinha pelas prateleiras que ainda não tivesse lido e, lá estava ele: O Planeta dos Macacos.

Curiosamente, foi um livro que nunca me despertou particular atenção. Acho que o facto de existirem tantos filmes que às tantas já lhes perdi a conta, acabou por me deixar com a ideia de que dificilmente o livro traria algo que não tivesse já sido explorado mais do que uma vez nessas inúmeras adaptações... Temos o Planet of the Apes (1968)Planet of the Apes (2001), Rise of the Planet of the Apes (2011), Dawn of the Planet of the Apes (2014) e o War for the Planet of the Apes (2017)... 

O Planeta dos Macacos

Mas a verdade é que, apesar de já conhecer a história e a reviravolta final, o livro explora as coisas de uma forma a que não assistimos nos filmes. Assim, enquanto nas adaptações somos um mero espectador do desenrolar dos acontecimentos, no livro acabamos por nos sentir muito mais envolvidos, revoltados e até impotentes face a tudo aquilo que se vai passando.

A história começa com Jinn e Phyllis, um « casal de ricos ociosos »  que percorria o universo por prazer numa nave em forma de esfera e que, a determinado momento da sua viagem, se deparam com uma surpresa inesperada a flutuar no espaço...

« - Sim, uma garrafa. Vejo-a nitidamente. É de vidro claro. Está fechada; vejo o selo. Há um objeto branco no interior... papel, um manuscrito certamente. Jinn, precisamos de apanhá-la! »

O que irão encontrar na garrafa é precisamente o conteúdo do nosso livro: o relato fiel da aventura de Ulisses Mérou, que confiou o manuscrito ao espaço « não com intenção de obter socorro, mas para ajudar, porventura, a conjurar a medonha calamidade que ameaça a raça humana... »

O Planeta dos MacacosO Planeta dos Macacos

O início da história remonta a 2500, quando Ulisses Mérou embarcou numa nave cósmica com uma tripulação de três pessoas: ele próprio, um jornalista pouco conhecido que foi convidado a participar na viagem pelo organizador da mesma; o professor Antelle, chefe de expedição e responsável pela conceção da nave; e Artur Levain, « um jovem físico de futuro promissor », discípulo de Antelle.

O objetivo da expedição consistia em alcançar a estrela supergigante Betelgeuse e, ao fim de dois anos de viagem, os cosmonautas chegaram ao seu destino. Rapidamente descobriram a existência de quatro planetas, mas apenas um - ao qual viriam a chamar Soror - foi objeto de exploração... um que se assemelhava estranhamente à Terra, impressão essa que se acentuava a cada segundo...

« Não havia dúvida que nos encontrávamos num irmão gémeo da Terra. Existia vida. O reino vegetal era mesmo particularmente vigoroso. Algumas árvores deviam ultrapassar os quarenta metros de altura. O reino animal não tardou a aparecer-nos, na forma de grandes aves pretas, planando no céu como abutres (...). Dado o que tínhamos visto antes da aterragem, sabíamos que existia, também, uma civilização. Seres racionais - ainda não ousávamos dizer homens - tinham modelado a face do planeta.»

Não tardará muito até que o grupo de cruze com um grupo de homens e mulheres, em tudo semelhantes a eles exceto pelo facto de não usarem quaisquer roupas, de emitirem uns sons estranhos semelhantes a uma « espécie de mio ou pipilar agudo »  e de, dos seus olhos, emanar uma espécie de vazio. Estavam perante Homens, sim. Mas apenas na sua aparência, visto que em tudo o resto se comportavam como animais.

Planet Of The Apes


Ainda assim, apesar das diferenças entre os cosmonautas e esta estranha tribo, os primeiros integram-se com relativa facilidade enquanto procuram descobrir e explorar um pouco mais acerca desta civilização. São no entanto completamente surpreendidos quando são apanhados no meio de uma caçada onde assistem a uma bizarra inversão de papéis: os humanos são a caça, os gorilas são os caçadores. Resultado? Um deles morre, e os outros dois acabam capturados e enjaulados.

É através do olhar de Ulisses Mérou, o nosso narrador, que vamos descobrindo como funciona esta sociedade dominada por macacos. Ficamos a saber que não existem nações, sendo todo o planeta administrado por um conselho de ministros à cabeça do qual se encontram um gorila, um orangotango e um chimpanzé. Existem assim três castas distintas, cada uma com as suas caraterísticas próprias: os gorilas, a classe mais poderosa e que conserva o gosto pelo poder e pela autoridade; os orangotangos, que são a ciência oficial mas « desprovidos de originalidade e sentido crítico » e, por fim, os chimpanzés, que representam o elemento intelectual do planeta e que possuem um poderoso espírito de investigação.

Os Homens, esses, simplesmente não se desenvolveram. Uns defendem que tal se deve a intervenção divina, outros que se deve ao facto do Homem ter sido prejudicado desde o nascimento, incapaz de adquirir um conhecimento do Universo por ter apenas « duas mãos, e dedos curtos e desajeitados »

Planet Of The Apes

Este cenário e a forma como os acontecimentos se vão desenrolando, têm tanto de bizarro, como de fascinante. Homens enjaulados que são sujeitos a experiências pavlovianas, que são considerados como não tendo o mínimo de inteligência mas apenas a capacidade de replicar certos comportamentos aprendidos desde que devidamente treinados, que são colocados no jardim zoológico para diversão dos macacos e que, em alguns casos, podem ser passeados nus, à exceção da trela e açaime. 

Imaginem verem-se no meio disto e tentarem, a todo o custo, convencer os macacos que, tal como eles, também vocês têm capacidade de raciocinar. Imaginem que, em troca, vos dão um torrão de açucar como recompensa. É precisamente o que acontece com Ulisses Mérou. Pelo menos até Zira, uma chimpanzé que faz parte da equipa de investigação, começar a desconfiar que este humano é realmente diferente de todos os outros com os quais já se cruzou.

Planet Of The Apes

Aquilo de que mais gostei no livro foi precisamente a forma como Pierre Boulle explora a o desespero e a desconfiança destas duas espécies. Reparem: se agora aparecesse aqui um macaco falante, a dizer que vinha de um planeta parecido com o nosso, onde eles é que são a espécie dominante e onde nós somos metidos em gaiolas e jardins zoológicos... Bom, isso ia pôr em causa tudo aquilo em que acreditamos! Provavelmente alguém ia mandar matar o macaco e começar a preparar as armas de destruição maciça para destruir os outros que cá chegassem. Por isso, por um lado, não me espanta o comportamento dos macacos, quando aparece um tipo em Soror a dizer que vem de um planeta onde os Homens são a espécie dominante.

Por outro lado, ao longo do livro deparamo-nos com situações em que é impossível ficar indiferente. Ver pessoas fechadas em jaulas, a serem passeadas de trela, sentadas no jardim zoológico para diversão de crianças-macaco e sujeitas a experiências atrozes levadas a cabo por macacos....

E depois pensamos: « Espera lá! É exatamente isto que nós fazemos aos macacos »

É tão fácil demonizar os comportamentos dos outros quando não nos identificamos com eles. E depois percebemos que nós somos os macacos desta história. Ao lermos o livro, podemos ser tentados a achar que as barbaridades que os macacos fazem, fazem-no porque são macacos. Mas nós fazemos o mesmo: caçamos, exploramos, colocamos em gaiolas para as quais as criancinhas podem atirar comida, prendemo-los a mesas onde os injetamos com substâncias e testamos produtos, sujeitamo-los a operações em nome do progresso científico. Somos tão bestas como os macacos do livro e fazemo-lo pelo mesmo motivo: porque podemos. Afinal de contas: quem é que nos vai impedir ?

Planet Of The Apes

Mas isto de ser a espécie dominante tem muito que se lhe diga e nunca se sabe quando é que as coisas podem dar uma reviravolta, tal como iremos descobrir no final.

Já não me recordo bem como é que acabam os filmes Planet of the Apes de 1968 e o de 2001 mas, se não me falha a memória, no primeiro temos a famosa cena final da estátua da liberdade enterrada na areia, levando-nos a concluir que ele está e sempre esteve na Terra. No de 2001, são descobertos indícios de uma antiga civilização de humanos com indícios inegáveis de que eram inteligentes, o que pode sugerir que os macacos evoluíram a partir deles. 

Ambos os cenários são bastante interessantes mas nenhum deles é exatamente igual ao do livro que, para além de acrescentar uns detalhes bastante interessantes, deixa muito em aberto e à imaginação do leitor.

O Planeta dos Macacos é um livro que recomendo, sem dúvida alguma, tanto aos leitores de ficção científica mais objetivos, como àqueles que gostam de divagar e entrar em análises subjetivas. Para os primeiros, será um livro sobre um planeta governado por macacos. Para os segundos, uma forte crítica social onde os macacos são um espelho da nossa sociedade. Seja como for, tanto num caso como no outro, vão encontrar em O Planeta dos Macacos um excelente clássico de ficção científica que vale a pena ler.

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