Make Room! Make Room! (1966) de Harry Harrison

by - setembro 07, 2021

 

Sinopse: Passado em agosto de 1999, o romance explora as tendências na proporção dos recursos mundiais usados pelos Estados Unidos e outros países em comparação com o crescimento populacional, retratando um mundo onde a população global é de sete bilhões de pessoas, atormentado por superlotação, escassez de recursos e um infraestrutura em ruínas. O enredo salta de personagem em personagem, recontando a vida de pessoas em várias esferas da vida na cidade de Nova York, com população de 35 milhões. O romance foi a base do filme de ficção científica Soylent Green de 1973. [Fonte: wikipédia]


★★★★☆

Opinião [contém spoilers]: « Soylent Green is People! » é, provavelmente, a frase mais famosa do filme baseado neste livro. Mas, se estão à espera dessa revelação no livro, lamento informar que não a irão encontrar. Isto porque, embora o filme Soylent Green (1973) se tenha mantido fiel em muitos aspetos, o canibalismo não foi um deles.

« Make Room! Make Room! » passa-se em 1999, e tem como tema principal o colapso civilizacional como resultado de um crescimento exponencial da população. Ao todo, são mais de 7 biliões de humanos a sorver os recursos existentes e, mais de 35 milhões estão em Nova Iorque.

A cidade está de tal forma sobrelotada que há quem vá para as morgues à espera que os cadáveres deem entrada para se poderem apropriar do espaço que este ocupava em vida. Há racionamento de água e, por vezes a escassez é tanta, que há quem, desesperado, opte por beber de um rio que é um verdadeiro esgoto a céu aberto. A comida é racionada, e o pouco que há, é soylent: uma mistura de soja (soy) e lentilhas (lent). A carne, essa, só se consegue encontrar no mercado negro e por valores só ao alcance da classe privilegiada. A eletricidade é instável e muitas vezes dependente de geradores. Não bastasse, temos ainda as tempestades de areia, vagas de calor, chuvas torrenciais... Tudo isto, inviabilizando o sucesso de quaisquer cultivos ou produção de gado.


É uma existência triste, claustrofóbica, onde a maior parte das pessoas não tem sequer acesso ao essencial. Este foi um dos pontos que achei que estava extraordinariamente bem explorado no livro - no filme, nem por isso - e o facto de, enquanto leitores termos acesso a diferentes pontos de vista, ainda reforça mais essa ideia. Será neste ambiente que se desenrola toda a história, que terá como principal protagonista Andy, um polícia que fica encarregue de descobrir quem assassinou Big Mike - um tipo corrupto com ligações obscuras e muitos amigos em posições de prestígio - e, principalmente, porque é que o assassinaram. 

Para mim, a parte do crime pouco me interessou e terminei com a ideia que não era sequer a ideia central de todo o livro. Foi no entanto uma forma interessante de trazer algumas personagens interessantes para a história e estabelecer o contraste entre as diferentes classes sociais que, na minha opinião, foi muito bem conseguido. 


Na prática, há realmente algum trabalho de investigação por parte de Andy, e é isso que nos faz avançar ao longo da história. No entanto, como assistimos ao crime, e sabemos desde o início as motivações por detrás dele, acaba por não haver grande suspense em volta disso. Seja como for, aquilo de que realmente gostei foi do ambiente repressivo. Sabem que sou incapaz de dizer que não a um bom cenário distópico, e Make Room! Make Room! entra diretamente para a lista de favoritos. Há livros e livros. Há aqueles em que nos sentimos como um espectador, a acompanhar os eventos ao longe. Depois há aqueles em que somos arrastados para o meio do caos e da confusão. Make Room! Make Room! é um desses livros, sobretudo porque aborda temas que me mexem com os nervos: pessoas por todo o lado, invasão do espaço pessoal, mais pessoas... Para quem gosta de silêncio e solidão, o cenário do livro é um verdadeiro  pesadelo! 

O contraste entre as diferentes classes sociais também foi conseguido de forma engenhosa e que não vejo de que forma poderia ter resultado melhor. Sabemos que Andy vive com algumas dificuldades: a eletricidade provem de um gerador, divide um pequeno apartamento com um amigo, está sujeito a racionamento de água e de comida... No extremo oposto, temos Shirl,  a namorada do defunto que vive numa casa luxuosa numa zona rica, tem acesso a toda a variedade de comida e bebida que o dinheiro possa comprar. Realidades totalmente diferentes, mas que acabarão por se cruzar durante a investigação, e ainda mais quando ambos se envolvem.


Durante algum tempo, ambos vivem uma espécie de lua de mel, da qual retiram aquilo de que precisam: Andy usufrui de todos os luxos que a casa da vítima lhe proporcionam, e Shirl consegue garantir que terá para onde ir quando tiver de abandonar o apartamento no final do mês. E quando esse momento chega, é fácil perceber que a lua de mel acabou. 

Numa outra perspetiva, Make Room! Make Room! oferece-nos também uma excelente crítica social que vai ao encontro da teoria populacional de Thomas Malthus (Essay on The Principal of Population, 1798). De acordo com este economista britânico, a população estaria a crescer muito mais depressa do que a produção de alimentos ou recursos, o que conduziria ao avanço da fome, pobreza e criminalidade. Harry Harrison partilhava desta opinião, afirmando que seria apenas uma questão de tempo até que a humanidade ultrapasse os seus recursos, e condenava a política da igreja católica em relação à contraceção que levava, inevitavelmente, a que continuassem a nascer demasiadas pessoas.

Reparem que, apenas em 1965 é que o Supremo Tribunal determinou que os casais casados teriam direito constitucional à privacidade e que essa privacidade incluiria a utilização de métodos anticoncecionais. Em Make Room! Make Room! há uma clara alusão ao direito de utilização destes métodos através da referência a uma manifestação que vai opor duas fações: os que vêm os métodos anticoncecionais como uma forma de controlar a população, e evitar o sofrimento de milhares de crianças que nascem sem que os pais tenham quaisquer condições para os sustentar; e os que encaram estes métodos como uma forma de « matar bebés ». 

« - Three are born for every two that die. So the population doubles and doubles - and keeps on doubling at a quicker rate all the time. We got a plage of people, a disease of people infesting the world. We got more people who are living longer. Less people have to be born, that's the answer. We got death control - we got to match it with birth control. 

- I still don't see how you can when people still think it has something to do with killing babies.

- Stop with the dead babies! (...) There are no babies involved in this - alive or dead - except in the pointed heads of the idiots who repeat what they have heard without understanding a word of it. » 


Na minha opinião, este livro tem todos os ingredientes para quem procura uma boa distopia e crítica social. Por isso, se és um desses casos, Make Room! Make Room! é uma excelente opção de leitura!

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