A Praia (1996) de Alex Garland

by - maio 24, 2019

A Praia Alex Garland
★★★☆☆
Sinopse:
A Khao San Road, em Banquecoque, é a primeira etapa da viagem. Na primeira noite um companheiro viajante corta os pulsos, deixando a Richard um mapa para « a Praia ». A Praia é uma lenda entre os jovens que viajam pela Ásia: areia branca rodeando uma lagoa escondida no mar, jardins de corais e quedas de água no meio da selva. Conta-se que neste paraíso vive uma comunidade restrita, numa simplicidade de começo de mundo, Para Richard, o protagonista, fascinado pelos filmes sobre a guerra do Vietname, uma viagem ao desconhecido território Tai é irresistível. Partiu pois em busca de aventura. E encontrou-a. [Fonte: GARLAND, Alex. A Praia. Lisboa: Quetzal Editores, 1999].

Opinião:
Lembra-se de um filme com o Leonardo diCaprio, em que ele e uns amigos descobrem uma ilha isolada situada algures no golfo da Tailândia onde uma comunidade de viajantes vive em peace and love até às coisas começarem a dar para o torto?


O nome desse filme é "A Praia", exactamente o mesmo nome do livro que lhe deu origem, da autoria de Alex Garland, e publicado pela primeira vez em 1996.

Se, tal como eu, nunca tinham ouvido falar deste autor, posso aguçar-vos a curiosidade dizendo que ele é nada mais, nada menos, do que o argumentista de filmes como o Ex-Machina e o 28 Dias Depois. Ora, esta foi uma daquelas descobertas que me deixou a pensar como é que nunca me tinha cruzado com ele mas, agora que o fiz, um novo horizonte de possibilidades se abriu.


  

Eu já conhecia o filme, mas desconhecia que era baseado num livro. Por isso, quando numa ida ao alfarrabista da Rua do Ateneu vi o livro na prateleira, ainda por cima por três euros (!!!), achei que era uma excelente oportunidade.

Posso dizer-vos que não fiquei nada desiludida.

Li o livro em dois dias, um dos quais foi passado quase totalmente a ler porque, simplesmente, não o conseguia pousar e acho que, em grande parte, isso se deve à forma como está escrito: uma espécie de relato na primeira pessoa, em retrospectiva, escrito pela personagem principal - Richard - e no qual vamos acompanhar todo o seu percurso, deste a altura em que toma conhecimento do mapa com a localização da tal praia, até ao momento em que decide fugir.



A premissa é bastante simples: Richard, um viajante britânico (e aqui é importante que fique claro que falamos de um viajante e não de um turista) encontra-se numa pensão manhosa em Bangkok. No quarto ao lado do seu, um tipo com sotaque escocês que dá pelo nome de Duffy, não se cala com a conversa acerca de uma "praia". Julgando que se trata de alguém que, claramente, abusou das drogas, do álcool, ou de ambos, Richard não lhe dá grande crédito até que, na manhã seguinte, dá de caras com o cadáver do tipo que, aparentemente, decidiu cortar os pulsos durante a noite.

Parece no entanto que, antes de cortar os pulsos, Duffy desenhou um mapa com a localização da tal praia secreta e decidiu deixá-lo colado na porta do quarto de Richard. Movido pela curiosidade, e pelo desejo de encontrar um local que ainda não tivesse sido invadido por hordas de turistas com criancinhas ranhosas atrás, decide ir em busca desse paraíso por descobrir. Consigo irão Étienne e Françoise, um casal que se encontrava hospedado na mesma pensão manhosa em que ele estava, e com quem trava conhecimento à porta da esquadra, depois do suicídio de Daffy.



Quem viu o filme já sabe que a ilha existe. Portanto aqui acabei por partir em desvantagem porque, quando eles se decidem lançar a nado em mar aberto para fazer a travessia que os levaria à ilha onde estaria a praia, não fiquei com receio que não chegassem ao destino. Bem vistas as coisas, acho que o título em si já indicia isso... não faria muito sentido chamar a um livro "A Praia" e eles morrerem afogados ao fim de vinte páginas.

A ilha e tudo nela parece perfeito.
Perfeito para aqueles que não gostam de luxos, nem de conforto, nem do estilo de vida capitalista, nem de cuidados de saúde básicos, nem de uma alimentação diversificada (e podia continuar ...).



Seja como for, Richard, Étienne e Françoise parecem bastante encantados com a ideia e rapidamente se integram nesta comunidade auto suficiente, criada há já alguns anos e da qual fazem parte outros viajantes (não turistas). Aqui, todos têm tarefas bem definidas e trabalham com alegria em prol da comuna. Bom, todos parecem trabalhar com alegria, mas a verdade é que a dinâmica desta sociedade vai mais ao encontro da de um jardim infantil do que propriamente de uma sociedade bem estruturada.

Jogos de poder.
Intrigas.
Hipocrisia.
Medo.

Bem vistas as coisas, parece até que esta sociedade utópica importou tudo aquilo que diz condenar, acabando por fazer lembrar um qualquer grupo empresarial, onde os seus membros lutam por alcançar posições mais elevadas. Afinal de contas, já dizia George Orwell: todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que outros.



Para além destas tensões que vão emergindo ao longo do relato, aquilo que torna tudo realmente interessante é a transformação de Richard. Aos poucos e poucos, vamos percebendo que a sua capacidade empática vai diminuindo e, em seu lugar, vai emergir uma constante necessidade de ultrapassar os limites, quase como se pretendesse desafiar a própria morte. É quase como se tivesse chegado a um ponto em que o tédio e o aborrecimento são tais, que começa a sentir verdadeiramente necessidade de explorar outras emoções, colocando-se deliberadamente em situações perigosas como lutar corpo-a-corpo com um tubarão, ou aproximar-se furtivamente dos tipos armados e com cara de poucos amigos que patrulham uma plantação de cannabis que existe na ilha.

Olhando para trás, acho que foi precisamente essa transformação que me manteve colada ao livro. Principalmente porque, sendo uma narrativa na primeira pessoa, acabo por vivenciar muito mais aquilo que a personagem vai descrevendo do que aconteceria se fosse uma narrativa na terceira pessoa. E acreditem que há cenas de cortar a respiração... sobretudo para os claustrofóbicos.

Mais interessante ainda é que, embora seja o centro da acção, não se pode dizer que Richard seja propriamente uma personagem de quem se goste de imediato. Há quem não goste imediatamente, nem depois de terminar o livro, e considere o narrador uma espécie de exemplar da Geração X, a geração nascida depois da Segunda Guerra Mundial e caracterizada pela sua rebeldia, apatia, falta de valores e uma cabeça cheia de referências pop. Não tenho como discordar deste ponto de vista visto que, em alguns momentos, também eu fiquei irritada com a postura do Richard. Uma postura merdosa, diga-se a verdade.



Como é que vos hei-de dizer ... ?
Estão a ver aquele tipo de pessoa que nunca teve de se esforçar para nada e que, ainda assim, as coisas lhe caem no colo? Por exemplo, aquela pessoa que é promovida, não por mérito ou competência - porque toda a gente sabe que é burro como um calhau - mas porque tem "boas ligações" (a.k.a. "cunha"), e que depois anda por ali a pavonear-se com a mania que sabe mais do que todos os outros?

É mais ou menos essa a postura de Richard.
E se há coisa que me irrita é precisamente este tipo de postura.

Ainda assim, a expectativa sobre "e agora, o que será que vai acontecer?" consegue realmente manter-nos agarrados ao livro. Uma espécie de curiosidade mórbida visto que temos sempre presente aquela sensação que, seja o que for que aconteça, não será nada de bom.

Por outro lado, à medida que as cisões dentro do grupo vão aumentando - sobretudo devido a lutas de poder - vamos também assistir a um aumento gradual das tensões entre os seus membros, sobretudo numa tentativa de manter ou recuperar o domínio e restabelecer a ordem, o que também acaba por nos deixar bastante curiosos acerca do rumo que as coisas irão tomar...



Pessoalmente achei "A Praia" uma agradável surpresa.
É um livro que, embora relativamente grande, a leitura flui rapidamente visto que está sempre a acontecer alguma coisa, algures.

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