The Circle (2013) de Dave Eggers

by - janeiro 05, 2020

Dave Eggers
★★★☆☆
Sinopse: 
The Cirle - the world's most powerfull company, connecting everyone digitally - is growing. Its latest recruit is Mae Holland, Determined to prove she is worthy of the trust placed in her, Mae allows herself to go 'transparent', sharing her every experience with the world at large. But in moving closer to those in charge, she catches glimpses of a sinister truth hidden at the very heart of the Circle. One that will change the world for ever... [Fonte: EGGERS, Dave. The Circle. Penguin Books LTD, (2004)]

Opinião:
Este livro foi uma das minhas poucas compras não planeadas. Tinha ido à FNAC do Chiado comprar o Shiver e, já que lá estava, aproveitei para espreitar os livros em inglês visto que costumam ter preços bastante simpáticos e capas lindíssimas. A simplicidade deste chamou-me a atenção, e quando li a sinopse não pensei mais no assunto e trouxe-o. Vim mais tarde a descobrir que havia até uma adaptação para cinema, The Circle (2017), o que elevou ainda mais as expetativas.

Infelizmente demorei uma eternidade a conseguir terminá-lo... 

Arrastei-me penosamente ao longo das suas 491 páginas ao longo de quase dois meses! Normalmente sou uma 'fast reader', o que se traduz em cerca de três ou quatro livros por mês... Mas com o The Circle não havia maneira de conseguir avançar a bom ritmo e só não abandonei a leitura porque, apesar de tudo, o conceito da história era realmente interessante e fiquei curiosa em saber como é que ia acabar. Em contrapartida, detestei a personagem principal desde a primeira, até à última página. 



The Circle é o nome de uma mega empresa de software e serviços online, com uma dimensão e presença tão vasta que é como se o Google se tivesse juntado com o Facebook e o Instagram. A grande diferença é que, ao contrário das redes sociais atuais que permitem a criação de vários perfis de utilizador, o Círculo obriga a que todos utilizem a sua verdadeira identidade.

« TruYou - uma conta, uma identidade, uma password, um sistema de pagamento, por pessoa. Acabaram as passwords e as identidades múltiplas. Os teus dispositivos sabiam quem eras, e essa seria a identidade da pessoa que pagava, que fazia log in, que respondia, que via e opinava, que via e era vista. Tinhas de usar o teu nome real e isto estava ligado aos teus cartões de crédito, ao teu banco, sendo portanto muito mais fácil pagar o que quer que fosse. Um único botão até ao fim da tua vida online »

Era assim chegado o fim das identidades falsas e múltiplas identidades pois, sempre que se queria ver, comentar ou comprar alguma coisa, tal só era possível através da sua conta pessoal e intransmissível, o TruYou. Como devem imaginar, a ideia foi muito bem recebida e aplaudida. Afinal de contas, porque não havia de ser? É bom para todos. Mais seguro. Mais prático.

Mas porquê ficamos por aqui?

Certamente que estão a par dos protestos em Hong Kong e, com toda a certeza, já viram muitas das imagens que nos chegam através dos canais noticiosos. Uns vendem a ideia da violência policial. Outros vendem a ideia da violência por parte dos protestantes. Mas... e se existissem câmaras ocultas em todos os locais e qualquer um de nós pudesse, a qualquer momento, ver exatamente o que se estava a passar, sem filtros? O nome desta tecnologia é SeeChange, e é mais uma das criações do Círculo.

The Circle
Tom Hanks no papel de Bailey | The Circle (2017) 

Mas, uma vez mais, porquê ficamos por aqui?

Imaginem que através de uma aplicação chamada ChildTrack conseguimos reduzir - e praticamente eliminar - o desaparecimento de crianças através de um pequeno dispositivo que lhes é implantado nos ossos e que nos permite, a qualquer momento, localizá-las. Para além disso, seria possível ir adicionando outras informações ao chip, nomeadamente, o percurso escolar detalhado, o ranking em que aquela criança se encontra comparativamente aos colegas da mesma escola e até comparativamente a todos os outros alunos, de todas as escolas do país.

Todas as inovações são bem recebidas e são vistas como ferramentas essenciais para melhorar a qualidade de vida de todos os utilizadores do Círculo. Mas onde é que traçamos o limite? Quanta informação estamos dispostos a ceder e de quanta privacidade estamos dispostos a abdicar em troca destas ferramentas ?

The Circle
The Circle (2017)

É isso que Mae Holland, a mais recente contratação do
Círculo, irá descobrir à medida que se deixa envolver cada vez mais pelo trabalho. Ao início, tudo parece perfeito e o campus é tudo aquilo com que podemos sonhar enquanto local de trabalho. Para começar, todos os funcionários têm acesso a tudo, gratuitamente. Sim, leram bem. Festas temáticas, apartamentos mobilados, alimentação, cuidados de saúde, atividades, roupa e acessórios que ainda nem sequer chegaram ao mercado... Tudo isto com um único propósito: construir, através da intimidade, uma comunidade próspera e positiva formada pelos funcionários do Círculo. E que melhor forma de o fazer do que transformar o campus no melhor sítio onde estar ? 

The Circle
The Circle (2017)

No entanto rapidamente começamos a perceber que este conceito assume contornos de totalitarismo quando, por diversas vezes, Mae faz alguma coisa fora do campus e não partilha na rede. A resposta do Círculo é praticamente imediata e Mae acaba por ser convidada a reunir-se com os seus supervisores que, num misto de condescendência e desilusão, lhe explicam que aquilo que se tenta criar ali é uma verdadeira comunidade, onde não há segredos entre os membros porque « Secrets are Lies. Sharing is Caring. Privacy is Theft » [Os Segredos são Mentiras. Partilhar é Preocupar-se. Privacidade é Roubo].

Progressivamente, e motivada pela necessidade de sentir que faz parte do Círculo, Mae vai perdendo a sua privacidade. 

Quanto mais partilhar, mais zings tem. 
Mais seguidores. 
Mais destaque.
Mais relevância.

The Circle
The Circle (2017)

Aumentar o número de seguidores torna-se um fim em si mesmo, até chegar ao ponto em que, para Mae, é mais importante aquilo que se passa na rede do que o que se passa à sua volta. Por essa razão, ela nem sequer hesita quando um dos fundadores do Círculo lhe sugere que participe numa experiência que irá revolucionar a forma como interage e que consiste em utilizar uma câmara 24 horas por dia, através da qual os seus seguidores poderão ver tudo aquilo que ela vê.

O que acontece daí para a frente foi, na minha opinião, o que conferiu realmente algum interesse à história e que me motivou a continuar a ler: a transformação de Mae que, aos poucos e poucos vai trocando o mundo real pelo mundo virtual, até este ser a única coisa que resta.

Pessoalmente, este é um tema do qual gosto bastante, sobretudo por ser tão assustadoramente próximo da realidade. Acho que Dave Eggers conseguiu captar muito bem o perigo que essa falsa ilusão de "fama" criada pelas redes sociais pode criar em alguém que procure algum reconhecimento e valorização por parte de terceiros. 

Vamos ter assim, por um lado, Mae, que depois de começar a trabalhar no Círculo fica completamente obcecada com os zings e em subir no ranking de pessoas com mais seguidores. E por outro lado, o ex-namorado de Mae, Mercer, que é a antítese de tudo isso e que faz questão de se manter completamente fora da rede. O contraste entre estas duas personagens, e as discussões que foram surgindo ao longo do livro quando cada um tentava fazer valer o seu ponto de vista foram, para mim, as partes mais interessantes e dei comigo sempre à espera da próxima intervenção de Mercer que, infelizmente, não foram tantas como eu gostaria mas, ainda assim, deram bastante em que pensar.


The Circle

O rumo da história é mais ou menos previsível, assim como a identidade de uma personagem misteriosa com quem Mae se envolve. Bom, provavelmente só era misteriosa para ela que, durante sucessivos encontros, nunca lhe ocorreu quem é que aquele homem poderia ser quando todos os sinais e pistas lá estavam. Aliás, a ingenuidade de Mae chega a ser exasperante! A tal ponto que às tantas já é mais estupidez do que propriamente ingenuidade... Posso dizer-vos que dei comigo a revirar os olhos muitas vezes porque, muito honestamente, já não tinha pachorra para toda aquela subserviência e desejo de agradar. 

Seja como for, o conceito estava interessante e gostei particularmente dos paralelismos com a realidade, como por exemplo o facto do símbolo do motor de busca mais utilizado ser também... um círculo. Por outro lado, a partir de determinado momento, temos a sensação de que algo muito mau está prestes a acontecer ...

... de repente Mae está obcecada com a fama! Tudo aquilo que faz, tudo aquilo que vê, TEM de ser partilhado. As coisas mais simples acabam por ser feitas para obter reação do público que a segue e não pelo prazer de fazer seja o que for, e as pessoas que a rodeiam acabam por ser arrastadas involuntariamente para este circo medonho em que nem direito à própria privacidae têm (como acontece quando entra de rompante pelo quarto dos pais com a porra da câmara agarrada ao peito e a transmitir em direto para não sei quantas pessoas e os pais estão a ter um momento mais íntimo).

Se repararem, hoje em dia é muito assim. A necessidade de aprovação por parte de pessoas que nem sequer se conhece supera o respeito pela privacidade dos outros. Basta que apanhem uma bebedeira num festival e se ponham para lá a dançar de forma um pouco mais efusiva, para que alguém decida filmar, publicar na internet e ridicularizar-vos. Ali ficam eles, todos contentes, agarrados aos telemóveis, a gozar o tipo que estava a dançar como se não houvesse ninguém à volta. Ninguém fala da pessoa para quem a noção de diversão é filmar alguém que está efetivamente a divertir-se.

Atualmente, essa é a norma.

Onde quer que vão, há sempre alguém de telemóvel em riste.
Casais a almoçar num restaurante, e está cada um a olhar para o telemóvel.
Pessoas que param em determinados sítios apenas para tirarem uma selfie.

Parece que já não se consegue fazer nada sem que tenha de se partilhar com os "seguidores" e, apesar do crescente acesso à informação, as pessoas parecem cada vez mais estúpidas e desinformadas.

Há esta necessidade de se estar sempre ligado, de ter acesso a tudo e partilhar tudo e mais alguma coisa. Por isso é que, até certo ponto, o final do Círculo não podia ser diferente daquilo que foi, isto é, com Mae a achar que se podia ir ainda mais além e ter acesso aos sonhos e pensamentos de uma pessoa em coma.


F I M   D E   S P O I L E R S 


Pessoalmente, acho que o Círculo resulta muito bem enquanto crítica social e, apesar do tema que nos traz não ser propriamente novidade, está muito bem explorado e com um desfecho improvável e amargo. O único senão é a personagem principal. Como praticamente toda a história anda em torno de Mae, acaba por ser difícil dar mais do que ★★★ porque, embora o conceito seja bastante interessante, acabou por não ser uma leitura extasiante. 

Ainda assim, é uma excelente distopia e, de tudo o que tenho lido ultimamente, será talvez a que apresenta uma visão mais plausível daquele que será o futuro. 

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