O Terror (2007) de Dan Simmons

by - setembro 21, 2018

  
★★★☆☆
Sinopse: 
Na primavera de 1845, Sir John Franklin comanda uma expedição de dois navios e 129 homens numa viagem arrojada para o distante e desconhecido Ártico. O seu objectivo: encontrar e mapear a lendária Passagem do Noroeste que, supostamente, ligará os oceanos Atlântico e Pacífico.

Dois anos depois, a expedição, que começou sob um espírito de optimismo e confiança, enfrenta o desastre. Franklin está morto. Os dois navios (Erebus e Terror) estão fatalmente presos nas garras do gelo. As rações e o carvão escasseiam e os homens, mal preparados, lutam diariamente para sobreviver ao frio letal. Mas o seu verdadeiro inimigo é bem mais aterrorizador. Existe algo à espreita nas trevas glaciais: um predador oculto que captura marinheiros e abandona os seus corpos na vastidão do gelo...

Opinião: 
Se não fosse a adaptação para televisão realizada por Ridley Scott, provavelmente nunca teria descoberto O Terror. Isto porque, embora o livro tenha sido publicado em 2007, nunca me tinha cruzado com ele e era altamente improvável que tal viesse a acontecer porque não é o género de livro que habitualmente procure. Acabei no entanto por comprar os dois volumes na Feira do Livro 2018 para oferecer ao outro leitor cá de casa e, embora não tenha sido um livro que me tivesse despertado interesse imediato, acabei por pegar nele.

Acho que é importante referir que O Terror, embora seja uma obra de ficção, é inspirado numa história verídica: a expedição de Sir John Franklin, que tinha como objectivo encontrar a Passagem do Noroeste, uma rota que permitiria passar do Atlântico para o Pacífico sem ter de contornar toda a América do Sul.


Passagem do Noroeste

Sir John Franklin, então com 59 anos de idade, liderava esta expedição composta por 134 homens, e que partiu de Greenhite em Maio de 1845. Os navios, Erebus e Terror, eram na altura os mais bem preparados para a viagem e tinham sido apetrechados com os mais modernos equipamentos, bem como com provisões para cerca de três a cinco anos. Ainda assim, nenhum dos membros das tripulações regressou a casa e os destroços dos navios apenas foram encontrados em 2014 (Erebus) e 2016 (Terror), cerca de sete anos após a publicação do livro O Terror.


Erebus dive from Parks Canada
Destroços do navio HMS Erebus

O autor, Dan Simmons, diz numa entrevista à AMC que a ideia surgiu quando, num artigo acerca do explorador Ranulph Fiennes, encontrou uma referência à expedição amaldiçoada de Sir John Franklin e ao desaparecimento de toda a tripulação. Mas, embora lhe tenha parecido um ponto de partida com bastante potencial, a sua editora terá recusado por considerar que "isto é sobre pessoas que morreram há muito tempo. Nós queremos algo novo." Mas, como os livros são feitos do mesmo material que os sonhos - neste caso, pesadelos - Dan Simmons decidiu arriscar e lançar-se neste livro por conta própria, o que acabou por se revelar uma boa decisão.

Mas, como é que surge a ideia de misturar terror com elementos históricos ?

O autor responde a essa questão na mesma entrevista à AMC, e aqui, mesmo quem ainda não teve oportunidade de passar os olhos pelo livro, fica com uma ideia daquilo com que pode contar...

« Eu queria uma ameaça externa. Mesmo antes de começar a escrever, sabia disso. Eu queria algo assustador. Adorei a versão de 1951 do Howard Hawks do The Thing. O que mais gostei foi eles não poderem fugir. A maioria das histórias de casas assombradas é tão simples que eles podem, simplesmente, sair. Neste caso, não podem.»
Dan Simmons

O Terror acaba assim por preencher os espaços em branco que ficaram após o desaparecimento de toda a tripulação de ambos os navios, numa simbiose entre factos e ficção tão bem conseguida que, a determinado ponto, tudo parece bastante verossímil e a linha que separa o real do fantástico torna-se bastante ténue. Tal não teria sido possível sem a extensa e exaustiva pesquisa levada a cabo pelo autor, e que vai desde livros sobre a expedição, a livros sobre os rituais e modo de vida dos Inuit.

Dan Simmons
The Terror | Série AMC (2018)

No entanto, e apesar do livro ser bastante detalhado em termos técnicos (durante algum tempo questionei-me se Dan Simmons teria algum tipo de experiência de navegação), não poderei dizer que é um livro sobre a expedição em si mas sim, sobre o que se passou entre o momento em que os barcos ficaram encalhados na banquisa e a altura em que as tripulações conheceram o seu destino.

A história começa quando ambos os navios estão já presos e os homens tentam sobreviver com temperaturas a rondar os -45 graus Celsius e desde início que fica claro que alguma coisa se está a passar ...

« - Comandante.
   - Senhor Hickey. Alguma coisa ?
  - Nada, desde os tiros... desde aquele tiro... há quase duas horas, senhor. Mesmo há pouco, ouvi... pensei ter ouvido... talvez um grito, qualquer coisa, comandante... do outro lado da montanha de gelo. Relatei-o ao tenente Irving, mas ele disse que era provavelmente o gelo a pregar-nos partidas. »
O Terror (pg. 16)

Um dos aspectos que achei que está muito bem conseguido é o facto de, tanto nós como as tripulações dos navios, sentirmos que paira algum tipo de ameaça no ar, não se conseguindo no entanto determinar que tipo de ameaça. Apesar de ser claro que alguma coisa anda a matar os homens, as descrições cingem-se a "qualquer coisa grande" (pg.117), que deixa "pegadas absolutamente impossíveis" (pg.132) e cujo objectivo não é claro.

The Terror
The Terror | Série AMC (2018)

« A conclusão era que a coisa levara Terry, transportara-o centenas de metros para a escuridão, onde os seracs se elevavam como árvores de gelo numa densa floresta branca, assassinara-o e desmembrara-o - talvez comendo-o, embora os homens tivessem cada vez mais dúvidas de que aquela coisa branca que andava a matar os seus camaradas e oficiais o fizesse por comida - e depois devolvera a cabeça de Terry, antes de os vigias a estibordo ou bombordo terem sequer reparado que o mestre desaparecera.»
O Terror (pg.223)

Como se esta ameaça não fosse suficiente, temos ainda o facto de ambos os navios estarem totalmente impossibilitados de sair de onde estão, tornando a fuga completamente impossível. 

Quais são as alternativas ?

Ficar nos navios e esperar que o gelo derreta ? 
Se é que ele alguma vez vai derreter ... E se isso acontecer, estão os navios em condições de navegar ?

Abandonar os navios e fazer o caminho a pé ? 
Mas... quem é que vai arriscar caminhar na noite perpétua, com temperaturas capazes de queimar os membros em contacto com o frio em poucos minutos ?

Esperar pelo resgate ? 
Mas ... quem é que pode garantir quando é que o resgate chegará? Ou se chegará sequer ?

O Terror
The Terror | Série AMC (2018)

Perante estas hipóteses, torna-se bastante claro o que Dan Simmons queria dizer quando, na entrevista à AMC, referiu que queria um cenário do qual as pessoas não pudessem simplesmente fugir. A mim pareceu-me que esse objectivo foi totalmente alcançado porque a sensação é de desespero.

Normalmente, nos cenários de terror, há um padre exorcista que põe fim à possessão, uma médium qualquer que entra em contacto com o além e acalma os espíritos ou uma qualquer heroína que consegue derrotar a ameaça. Mas aqui, não há nada que lhes valha! Se não forem mortos pela "coisa branca", são mortos pelo frio. Se não for o frio, é o escorbuto. Se não for o escorbuto, é a falta de comida. Se não for nada disto ... bem, já perceberam a ideia.

Não há escapatória possível.

The Terror
The Terror | Série AMC (2018)

Para além de nos prender pelo cenário, Dan Simmons prende-nos também pela forma como o livro está organizado, onde cada capítulo corresponde ao ponto de vista de uma das personagens. Na minha opinião isto dá-nos a possibilidade de ter uma visão mais abrangente do que se está a passar. No entanto, devo dizer que ao início tive alguma dificuldade com este formato, sobretudo porque nos primeiros capítulos temos, não só pontos de vista diferentes mas também em alturas diferentes, variando entre 1845 e 1847. Mas, ao fim de algumas páginas, acabei por me habituar e reconhecer que esta foi uma excelente forma de conhecer o passado de algumas das personagens.

E por falar em personagens, posso dizer que nesse aspecto O Terror me fez lembrar um pouco do George Martin e Richard Morgan. 

O primeiro porque, como já devem imaginar, há morte com fartura. Embora Dan Simmons não seja tão radical na escolha da próxima vítima como o é George Martin.

O segundo porque temos algumas personagens que se movem numa área bastante cinzenta ... Sim, são capazes de inspirar sentimentos de ódio e a determinado ponto só queremos que a "coisa branca" os esventre e atire o tronco para um lado e as pernas para o outro mas depois pensamos em tudo aquilo a que estão sujeitos e é inevitável que nos questionemos se, na mesma situação, seríamos assim tão diferentes.

Para concluir, aproveito apenas para mencionar o aspecto que considerei menos positivo no livro: o final. Depois de tudo o que se passou, esperava alguma coisa menos ... sobrenatural. 





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