A Luz (1977) de Stephen King

by - agosto 16, 2019

The Shining
★★★★☆
Sinopse:
Jack Torrance vê-se forçado a aceitar um trabalho como zelador de inverno do Overlook, um enorme hotel nas montanhas do colorado, um lugar que queda absolutamente isolado pela neve entre Novembro e Março. Embora a vida nessas condições de isolamento não pareça fácil, para Jack é uma oportunidade perfeita para reconquistar a sua mulher Wendy e o seu filho Danny, e para retomar o seu trabalho de escritor. Mas a família não está exactamente sozinha no Overlook. Os terríveis acontecimentos que sucederam no hotel no ano passado vão-se assenhorando lentamente do presente dos seus novos ocupantes até os levar a uma situação aterradora, da qual talvez nenhum deles possa escapar... [KING, Stephen. A Luz. Sant Vicenç dels Horts: Grupo Cofina (2009)]

Opinião:
Juntamente com A Coisa e Samitério dos Animais, A Luz deverá estar entre os livros mais conhecidos de Stephen King, o meister of terror, provavelmente porque todos eles tiveram adaptações que os celebrizaram.

Publicado em 1977, quando o autor tinha somente 30 anos, é precedido apenas por Carrie (1973) e A Hora do Vampiro (1975). No entanto, foi a adaptação ao cinema em 1980, pela mão de Stanley Kubrick, que imortalizou a história ao gravar no imaginário coletivo cenas que nunca serão esquecidas e que, provavelmente, continuarão a provocar pesadelos aos mais incautos.

The Shining
The Shining (1980) | "Elevator of Blood" Scene

The Shining
The Shining (1980) | "Come Play With Us" Scene

The Shining
The Shining (1980) | "Here's Johnny!" Scene

The Shining
The Shining (1980) | "Tricycle" Scene

Naturalmente que, sendo o livro uma interpretação autoral e não uma reprodução fiel do livro, é muito mais fácil apanhar em flagrante aquele pessoal que gosta de dizer que já leu o livro, quando na verdade nunca lhe pôs a vista em cima, porque existem algumas diferenças. Há por isso quem goste mais do livro e quem prefira o filme mas, independentemente das preferências pessoais de cada um, ambos são clássicos incontornáveis do terror.

A história começa quando Jack Torrance, outrora professor de inglês em Stovington e um promissor escritor com quatro contos já publicados, se vê forçado a aceitar trabalho como zelador de inverno no hotel Overlook. Os seus problemas com o álcool levaram a que tivesse entrado numa espiral descendente, até chegar ao ponto em que « além da mulher e do filho, 600 dólares numa conta bancária e um Volkswagen de 1968, o seu orgulho era tudo o que lhe restava » (pg. 37) e esta oportunidade surge como um favor por parte de Albert Shockley, « um homem poderoso, com importantes interesses no Overlook » (pg.9) com quem Jack partilha um segredo de tal forma terrível, que foi o responsável pela viragem na vida de Jack, e que começou pela decisão de deixar de se enfrascar como se não houvesse amanhã.


A oferta marca assim uma espécie de segunda oportunidade para Jack Torrance, que vê aqui a oportunidade de se reaproximar da família, de se manter afastado do álcool e, quem sabe, de finalmente terminar a peça em que tem estado a trabalhar. 

Quando informado acerca da « tragédia terrível » (pg.11) que ocorrera no primeiro Inverno em que se contratou um zelador, Jack não parece preocupado. Afinal de contas, tanto ele como a esposa são pessoas instruídas, e todos sabemos que « um idiota é mais propenso à claustrofobia (...). É uma pessoa que se cansa. Quando chega o Inverno, não tem nada para fazer a não ser discutir com a mulher, resmungar com as crianças e beber » (pg.13).

E é assim que, sem nenhuma preocupação em mente para além da responsabilidade de ligar a caldeira para manter as diferentes alas do hotel aquecidas, a família Torrance se muda para o magnífico Overlook, construído entre 1907 e 1909, com cento de dez quartos de hóspedes, e tão isolado que a cidade mais próxima, Sidewinder, se situa a sessenta e cinco quilómetros, em estradas que ficam fechadas por volta dos fins de Outubro ou Novembro até Abril. Para além disto temos o facto de, desde a sua inauguração em 1910, talvez quarenta e cinco pessoas tenham já lá morrido... 

Mas... bem... é um hotel, certo? 
São coisas que acontecem... Ou talvez não... 

Bom, quanto a vocês não sei, mas eu sou acérrima defensora do célebre ditado: « Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay ». Por isso, bem que podiam encher os frigoríficos do Overlook à vontade que estava totalmente fora de questão eu lá ficar não sei quantos meses isolada. 


E a história até bem que podia ficar por aqui se a família Torrance tivesse a sensibilidade de um calhau. O problema é que Danny, o filho com cinco anos, tem aquilo que chamam o brilho, o que faz com que seja capaz de ler os pensamentos de outras pessoas, ter uns raios de premonição e ver coisas que a maioria de nós não consegue como, por exemplo, mortos. Um bocado como aquele filme com o Bruce Willis, O Sexto Sentido, mas numa versão assustadora.

Agora imaginem o cenário: uma família, totalmente isolada durante vários meses num hotel assombrado, sem forma de fugir ou de pedir ajuda. Não desejo a ninguém. Vá... talvez deseje a algumas pessoas. 

Aos poucos iremos percebendo que o hotel é uma espécie de entidade viva, formada e animada pelas dezenas de pessoas que lá morreram em circunstâncias muito pouco naturais e que ganham vida com o propósito de explorar as fragilidades dos novos residentes.

Sendo Danny o mais susceptível, é também o que nos vai proporcionar momentos mais tensos, sobretudo porque o autor faz questão de o manter envolto numa aura infantil (há até quem critique esta personagem por ser demasiado infantil) ao mesmo tempo que o vai submetendo a situações que faria a maioria de nós sofrer uma síncope. Pessoalmente, acho que isto resulta muito bem porque durante toda a leitura vemos Danny como a criança que é, e isso dá-nos uma perspetiva totalmente diferente acerca do fardo que ele carrega, sobretudo em situações como aquela muito célebre que envolve uma mulher e o quarto 217 (no filme é o quarto 237).

Danny Lloyd no papel de "Danny Torrance" | The Shining (1980)

Ao contrário do que sucede no filme, em que desde o início nos é dada a impressão de que Jack Torrance não joga com o baralho todo, no livro deparamo-nos com um homem que luta para se manter à superfície, após ter percebido estar prestes a chegar ao ponto de não-retorno. Isto faz com que o vejamos, não como um louco que anda pelo hotel de machado em punho a tentar matar a família (no livro, aliás, não é um machado mas sim um taco de roque) mas sim um homem fragilizado pelo segredo que carrega e pelos remorsos, cujas fragilidades acabam por ser exploradas pelo hotel que pretende usá-lo como ferramenta para alcançar Danny. 


Tudo isto acabou por causar uma reação bastante interessante... Como vos disse, já tive oportunidade de ver e rever o filme, assim como de ler e reler o livro; e a relação que sinto com esta personagem é completamente diferente num e noutro. No filme, não há forma de sentir uma réstia que seja de simpatia por esta personagem... Ainda nem sequer chegaram ao hotel e já se percebeu que tem pinta de agressor que maltrata a mulher. Já no livro a coisa é bem diferente porque, devido aos diálogos internos, se consegue ter um conhecimento mais aprofundado da personagem e das suas fragilidades e perceber que, no fundo, Jack Torrance é apenas um homem que procura endireitar a sua vida e que viu no Hotel Overlook uma oportunidade de o fazer.


The Shining
Jack Nicholson no papel de "Jack Torrance" | The Shining (1980)

A única personagem que achei mais pãozinho sem sal foi Wendy, a esposa de Jack, ainda que não de forma tão gritante como no filme. Não consegui gostar particularmente dela, visto que na maior parte do tempo a única coisa que ela faz é recordar os bons velhos tempos com Jack e encontrar desculpas para os comportamentos estranhos que ele vai manifestando. Enquanto personagem, cumpre com o objetivo de nos dar a conhecer a vida antes de Jack começar a beber, permitindo-nos assim ter uma ideia muito mais aprofundada da espiral descendente para que esta família foi arrastada mas, não consegui gostar nem não gostar dela ... 


The Shining
Shelley Duvall no papel de "Wendy Torrance" | The Shining (1980)

Se o livro é melhor do que o filme ?

Pessoalmente, acho que se complementam tão bem que, a determinado ponto, já se torna difícil saber onde começa um e termina o outro. 

O filme está visualmente muito forte e aposto que aquele padrão de tapete deve ter tido imensa saída nos anos 80... mas, pessoalmente, achei que o livro tem cenas muito mais assustadoras e tensas. Daquelas que nos fazem respirar fundo e suster a respiração...


« A cortina do chuveiro, que ele tinha aberto para olhar para dentro da banheira, estava agora fechada. O som metálico que lhe parecera o movimento de ossos numa cripta tinha sido causado pelos anéis das cortinas a deslocarem-se pela barra. Jack olhou fixamente para a cortina. (...) Havia alguma coisa por trás da cortina de plástico cor de rosa. Havia alguma coisa na banheira. » (pg.252)


Portanto, já não bastava termos medo do que está fora da banheira por causa do Psycho de Alfred Hitchcock, agora também temos de ter medo do que está dentro da banheira por causa do Stephen King. Entre uma coisa e outra, venha o Diabo e escolha. 


The Shining (1980) | Bathroon Scene - Room 237

Outro dos pontos a favor deste livro é que vai surpreender mesmo quem já tenha visto o filme. Isto porque, como referi, existem diferenças entre eles. Umas subtis, outras mais óbvias. Há quem vá gostar mais de determinados detalhes no filme e quem vá preferir outras particularidades do livro. Pessoalmente, achei que o livro desenvolve muito melhor as personagens. Mas, outra coisa não seria de esperar uma vez que essa é precisamente uma das caraterísticas que distingue este autor.

Portanto, se gostam de uma boa dose de suspense misturada com terror, e se são praticantes regulares de mergulho em apneia (esta última condição é altamente recomendada devido às inúmeras cenas de cortar a respiração), Luz é um ótimo livro para vos fazer companhia. Na minha opinião, o único aspeto negativo é o final and they lived happily ever after mas, já percebi que a maioria dos livros de Stephen King padecem do mesmo mal e que o melhor a fazer é aproveitar bem as partes mais obscuras. 

Entretanto, se quiserem explorar um pouco mais acerca do universo The Shining, aqui ficam algumas sugestões.

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