Doutor Sono (2013) de Stephen King

by - agosto 23, 2019

★★★☆☆
Sinopse:
Uma tribo de gente chamada o Nó Verdadeiro viaja à procura de sustento pelas auto estradas da América. Parecem inofensivos e são, sobretudo, velhos. Mas, tal como Dan Torrance bem sabe, e Abra Stone não tarda a descobrir, os membros do Nó Verdadeiro são quase imortais e vivem do vapor produzido pelas crianças com o « brilho » quando são lentamente torturadas até à morte. Assombrado pelos residentes do Hotel Overlook, onde passou um ano terrível da sua infância, Dan anda há décadas à deriva, tentando libertar-se do legado de desespero, alcoolismo e violência deixado pelo seu pai.

Por fim, instala-se numa cidade de New Hampshire, numa comunidade de Alcoólicos Anónimos que o apoia e num trabalho num lar, onde o « brilho » que lhe resta oferece um derradeiro conforto aos moribundos. Com o auxílio de um gato residente, torna-se o « Doutor Sono ». E depois Dan conhece a evanescente Abra Stone, e é o espetacular dom dela, o brilho mais vivo que ele já viu, que dá novo alento aos fantasmas de Dan e o impulsiona para uma guerra épica entre o bem e o mal para salvar Abra e a sua alma. [Fonte: KING, Stephen. Doutor Sono. Lisboa: Bertrand Editora, 2013]

Opinião:
Publicado originalmente em 2013, Doutor Sono é, nas palavras do próprio autor, « a continuação do romance que narra, na minha opinião, a Verdadeira História da família Torrance » (pg.576), com quem nos cruzámos pela primeira vez no livro de 1977, A Luz.

Doutor Sono começa onde A Luz terminou, com o hotel Overlook reduzido a cinzas e com os três únicos sobreviventes, Danny, Wendy e Halloran a tentar fazer com que as suas vidas regressem à normalidade. No entanto, ao contrário do que aconteceu em Hill House (ler opinião "A Maldição de Hill House" de Shirley Jackson), onde whatever walked there, walked alone, os fantasmas do Overlook não eram do tipo solitário e alguns deles, como a Sr.ª Massey, mantiveram-se de alguma forma ligados a Danny, levando-o a viver aterrorizado, sem nunca saber quando seria surpreendido por um destes fantasmas que, ao contrário do que Halloran lhe disse, não eram inofensivos como desenhos num livro... muito pelo contrário... 


The Shining


Não é assim de admirar que Danny tenha tentado obscurecer o brilho. Afinal de contas, quem é que conseguiria manter-se mentalmente são sabendo que, a qualquer momento, se poderia ver confrontado com um fantasma do passado? Para além disto, não estamos a falar do típico fantasma transparente, em que fechamos os olhos, tapamos os ouvidos, repetimos o mantra "Tu não existes e não me podes fazer mal" e Puf! desapareceu. 

Não.

Neste caso, o mais certo é fecharem os olhos, taparem os ouvidos e de repente sentirem umas mãos a apertarem-vos a garganta. 

E que forma melhor de obscurecer o brilho do que ingerir grandes quantidades de álcool? 

Pois... 

Esqueçam portanto a imagem da criança dócil e meiga que tinham porque Danny seguiu as pisadas de Jack Torrance e vamos encontrá-lo, com uma tremenda ressaca, acabado de acordar ao lado de ...


« O nome dela é... Dolores? Não. Debbie? Ando lá perto, mas... » (pg.59)


Confuso, sem saber o nome do atual presidente nem o local onde se encontra, e a repetir pela enésima vez para si próprio « acabou-se a bebida, acabaram-se os bares, acabaram-se as brigas » (pg.53). 


Doctor Sleep_Stephen King Doctor Sleep

Enquanto isto, num outro local, o Nó Verdadeiro reúne-se para recrutar mais um elemento. Uma rapariga com um forte poder de persuasão que ganha a vida a engatar tipos mais velhos nos bares e a convencê-los a levarem-na ao cinema, onde lhes sugere que adormeçam, e lhes esvazia os bolsos quando ressonam profundamente. Todos os membros do têm algum tipo de « brilho », algum poder útil que contribui para assegurar a sua sobrevivência, mas ainda assim, nada que se compare às capacidades da sua líder, Rose a Cartola, que todos parecem temer e que ninguém ousa contrariar.


"Rose The Hat" | Escultura de Jesse Farrell

Os membros do Nó Verdadeiro, os antagonistas em Doutor Sono, vivem entre nós e estão perfeitamente camuflados: são os "tipos das caravanas", aquele pessoal a quem ninguém presta especial atenção. Provavelmente, se uma criança desaparecer, vamos desconfiar do vizinho com ar de maluco, do padre da paróquia mais próxima, de algum psicopata que eventualmente andasse fugido... mas dificilmente nos vamos lembrar dos tipos das caravanas que passaram por ali. Um disfarce perfeito para estes demónios vazios que se alimentam do vapor libertado pelas crianças enquanto são torturadas lentamente até à morte. Quanto mais brilho essas crianças tiverem, mais poderoso o vapor que libertam, e quanto mais poderoso o vapor, mais fortes e rejuvenescidos os membros do ficam. Assim sendo, não será de estranhar que este grupo tenha entre eles batedores, indivíduos cujo poder é localizar crianças que possam servir de alimento.


Uma dessas crianças é Abra Stone que, tal como Dan Torrance, nasceu envolta na placenta e, tal como Dan Torrance, tem « o brilho ». A diferença é que, neste caso, o brilho de Abra é muito superior ao que Dan alguma vez teve e começou a manifestar-se quando ela era ainda bebé e previu, por exemplo, o atentado terrorista de 11 de Setembro. A juntar a esta capacidade de prever o que ainda estava para vir, Abra Stone consegue ainda projetar a sua mente para outros locais, o que a colocou em contacto com Dan... mas também permitiu que o Nó Verdadeiro tomasse conhecimento da sua existência e esfregasse as mãos perante a possibilidade de um tão grande repasto...

« Ela achava que a desconhecida daria para encher dez latas, com sorte uma dúzia. A presença fora breve, mas potente. » pg. 205

Daqui para a frente toda a história é uma espécie de jogo do gato e do rato, no qual o Nó Verdadeiro tenta desesperadamente localizar e capturar a rapariga que, acreditam, irá solucionar muitos dos seus problemas, entre os quais a escassez de alimento. No entanto, os papéis de caça e caçador podem facilmente inverter-se, não só porque Abra não é, como eles julgam, uma adolescente tola, e, por outro lado, porque a seu lado tem Dan, cuja transformação vamos acompanhar ao longo de todo o livro.

Doctor Sleep

Não me quero estar a repetir mas, é inevitável que o faça: não gosto dos finais dos livros de Stephen King. Mais uma vez, temos em Doutor Sono um livro que nos mantém colados do início ao fim. As personagens estão muito bem construídas - como aliás sucede em quase todos os seus livros -, o mistério vai-se adensando ao longo da história e temos alguns momentos realmente assustadores e bastante crus, um dos quais envolve uma criancinha e tortura (o que normalmente faz com que alguns narizes se torçam em indignação) mas depois chegamos ao final e é mais do mesmo.



Não que o final me estrague a leitura... A única coisa que me irrita é que nunca chego a ficar preocupada com o destino final das personagens porque... bom, porque já sei que por muita merda que aconteça, vai sempre correr tudo bem e vão todos viver felizes para sempre. Mas pronto, Stephen King não tem a popularidade que tem por escrever livros com finais que não agradem à maioria das pessoas, e a verdade é que a maioria das pessoas fica mais feliz quando tudo acaba bem (o que explica porque é que Darren Arronofsky não é propriamente um realizador que agrade a muita gente).

Seja como for, gostei da história e deste conceito de pessoas sem alma que se alimentam do vapor libertado pelas crianças enquanto são torturadas até à morte. Crianças e tortura é sempre uma combinação perigosa, sobretudo agora que vivemos na época dos falsos puritanos, dos politicamente corretos e das mãezinhas que ficam ofendidas com estas coisas. A ideia de que os perpetradores deste crime são "os tipos das autocaravanas" também está muito bem apanhada, principalmente porque King conseguiu captar com perfeição a forma como os vemos e mostrar já são de tal forma parte da paisagem, que se tornaram praticamente invisíveis.

Por outro lado, tive alguns problemas com a parte da descrição em que ele refere que têm apenas um grande dente superior. Fiquei a matutar naquilo montes de tempo... Um dente grande tipo quê? 

Uma favola? 
Um dente afiado? 
Um dente largo e quadrado a ocupar a gengiva superior toda? 
Um dente fininho tipo agulha? 

Seja como for, não percebi para que é que precisam de um dente quando a única coisa que têm de fazer para se alimentar é inalar o vapor. Portanto esta parte fica no segredo dos deuses. Se alguém tiver alguma teoria, faça favor de a partilhar que eu ficarei muito agradecida.

Dentes e teorias à parte, Doutor Sono será, como seria de esperar, um livro que vai agradar a uns e não a outros. Já li opiniões muito positivas acerca dele, assim como já li outras em que os leitores detestaram cada pedacinho do livro. Pessoalmente não foi um daqueles livros que me tivesse deixado supreendida no final, nem que me tivesse marcado especialmente (o mais certo é daqui a uns tempos já nem me lembrar da história) mas, como sempre acontece com os livros do horror meister, foi um livro que me manteve num permanente estado de alerta durante as duas 577 páginas e será certamente uma boa aposta para quem gosta do autor e, especialmente, para quem ficou 36 anos a pensar no que é feito do Danny Torrance.

Entretanto, se quiserem explorar um pouco mais acerca de Doutor Sono aqui ficam algumas sugestões:


Entrevista à ABC News: Stephen King's "Doctor Sleep" brings the return of "The Shining's" Danny Torrance

Doctor Sleep (2019) | Trailler Oficial

Segue-me nas Redes Sociais!

Book Gift - www.wook.pt

Acho que poderás gostar de...

0 comments