Samitério de Animais (1983) de Stephen King
★★★☆☆
Sinopse:
Louis Creed, jovem médico de Chicago, acredita que encontrou o seu lugar naquela pequena cidade do Maine. Uma boa casa, o trabalho na universidade, a felicidade da esposa e dos filhos.
Num dos primeiros passeios para explorar a região, descobre um cemitério no bosque próximo da sua casa, ao qual se vê obrigado a recorrer depois de o seu gato ter sido morto por um camião num trágico acidente. Ali, gerações e gerações de crianças, enterraram os seus animais de estimação. Para além dos pequenos túmulos, onde uma caligrafia infantil regista um primeiro contacto com a morte, há outro cemitério. Uma terra maligna que atrai as pessoas com promessas sedutoras. Um universo dominado por forças estranhas capazes de tornar realidade o que sempre pareceu impossível. A princípio, Louis diverte-se com as histórias fantasmagóricas de Crandall, o vizinho de 80 anos. No entanto, aos poucos, começa a perceber que o poder da sua ciência tem limites. [KING, Stephen. Samitério dos Animais. Lisboa: Bertrand Editora (2019)].
Publicado em 1983, passaram 37 anos até que finalmente lesse aquele que é considerado um dos melhores livros do autor (apesar do próprio se ter mostrado sempre muito reticente acerca da publicação por considerar ser um livro demasiado mórbido).
A história não era propriamente novidade visto que já tinha visto o filme de 1989 e, apesar de o ter feito há muitos anos atrás, nunca me esqueci do puto escondido debaixo da cama a espetar o bisturi no pé de alguém. Ouch!
Em 2019 saiu um remake do filme - que ainda não tive oportunidade de ver - e com ele uma aposta por parte da Bertrand em publicar novamente o Samitério dos Animais que estava esgotado há alguns anos. Claro que isto era uma oportunidade demasiado boa para perder, sobretudo porque os livros do Stephen King são sempre uma boa aposta e portanto, foi mais uma adição à minha prateleira do horror.
Samitério dos Animais foi assim juntar-se aos outros vinte livros do meister of horror e, curiosamente, foi a primeira vez que não fiquei redondamente desiludida com o final. Os fãs do autor que me desculpem mas tenho realmente um problema com os finais que, regra geral, me parecem demasiado apressados e sempre com aquele toque de « e viveram felizes para sempre ». O simples facto do final deste livro fugir claramente a essa regra foi o suficiente para marcar a diferença (embora, ainda assim, o meu favorito continuar a ser o 22/11/63).
A sinopse do livro é bastante clara e a história conhecida. Assim sendo, contem com spoilers daqui em diante. De qualquer modo, e se vos apazigua a indignação: eu já conhecia a história e ainda assim fiquei surpreendida com o livro. Portanto, prossigam por vossa conta e risco.
Louis Creed é um médico de Chicago que se decide mudar com a esposa, Rachel, os dois filhos, Ellie e Gage, e o gato, Church, para uma bela casa situada na cidade de Ludlow (Maine) cujo único inconveniente era situar-se junto a uma estrada onde, diariamente, passavam dezenas de camiões. Não é propriamente a minha ideia de vida tranquila no campo mas, nem Louis nem Rachel parecem ter-se preocupado com isso. Nem com isso nem com o facto de não existir uma única cerca que impedisse uma criança de dois anos de correr para o meio da estrada... Não é preciso ser a Maya para saber no que é que isso vai dar.
"Pet Sematary" (1989) |
O que mais gostei neste livro foi que, logo desde que a família se muda, sentimos que há um ambiente estranho no ar... uma espécie de premonição de que alguma coisa terrível vai acontecer. E mesmo sabendo que ia realmente acontecer alguma coisa - como vos disse, já conhecia a história - não deixei de ter essa sensação a pairar ao longo de quase toda a leitura. O dia a dia da família é praticamente o retrato da felicidade e é brilhante a forma como o autor nos consegue deixar de pé atrás, como quem diz que nada dura para sempre.
"Pet Sematary" (1989) |
A família viria a fazer amizade com os únicos vizinhos, Jude e Norma Crandall, um casal de meia idade que sempre morou em Ludlow e que conhece todas as suas histórias e segredos. A relação entre Louis e Jude é a que mais se desenvolve ao longo do livro, e desde cedo percebemos que Jude sabe mais do que aquilo que conta. Pessoalmente, gostei da forma como a minha perceção em relação a ele foi mudando à medida que avançava na história... Comecei por achá-lo um tipo simpático, depois comecei a desconfiar que se calhar não era bem aquilo que aparentava, depois percebi que não era aquilo que aparentava e no final acabei por chegar à conclusão que foi uma vítima de algo maior do que ele.
Será precisamente através de Jude, que Louis e o resto da família ficarão a conhecer o "Samitério dos Animais", um local onde muitas crianças, ao longo de gerações, têm enterrado os seus animais. No entanto, o verdadeiro segredo, está para lá desse cemitério...
« Às vezes, é melhor estar morto »
É esta a conclusão a que chegamos depois de descobrir o poder do cemitério situado depois do samitério. Um lugar sombrio regido por forças obscuras com poder suficiente para manipular aqueles que caem sob o seu efeito, como é o caso de Jud. Quanto mais me aproximava do final, mas chegava à conclusão que nada do que Jud disse ou fez foi propriamente inocente... A ida ao "samitério dos animais", a história do cão que viveu novamente até voltar a morrer de velhice, o touro que regressou mas teve de ser abatido porque se tornou mau... Timmy Baternan, que atravessou o oceano para combater Hitler, « regressou num caixou em com uma bandeira em 1943 » e foi trazido de volta à vida, embora aquilo que voltou não fosse exatamente a mesma pessoa (se é que era sequer uma pessoa).
Todas estas pequenas histórias que Jud partilha com Louis, contribuem para criar uma atmosfera obscura que parece esbater a linha entre o possível e o impossível, ao mesmo tempo que nos conduz à conclusão que tudo tem um preço. Mas, apesar das histórias serem assustadoras e macabras, há uma personagem que é feita do mesmo material que os pesadelos: o wendigo.
A primeira vez que ouvimos uma referência a este nome é quando Jud conta a Louis a história do cemitério Micmac, « um lugar demoníaco e amaldiçoado », dando a entender que o wendigo mais não é do que folclore, uma história inventada para justificar comportamentos que, de outra forma, seriam condenados. Mas em ambas as incursões de Louis ao cemitério, algo se cruza com ele e, acreditem, estes encontros que não chegam bem a ser encontros são os momentos mais assustadores do livro.
Achei interessante que o wendigo esteja associado ao canibalismo, assassínio e ganância insaciável... Se repararem, o que causou esta confusão toda foi precisamente a ganância e o excesso. Sabemos que a morte é o fim. Ainda assim, todos aqueles que recorreram ao cemitério Micmac, quiseram contornar a morte. Foram pouco humildes e acharam que o podiam fazer. Isso acabou por lhes corromper o espírito e o de todos aqueles com quem tiveram contacto.
"Pet Sematary" (2019) |
Se repararem, se o pai de Timmy Baternan não o tivesse trazido de volta aos vivos, nenhuma das outras pessoas teria sido contaminada com essa ideia. Jud Crandall não teria trazido de volta o cão e, por sua vez, não teria ficado sobre o poder do wendigo que, ao chegarmos ao final da história, percebemos que é o responsável por tudo o que aconteceu e que o final nunca poderia ter sido outro não ser que as personagens não sucumbissem à ganância - se é que assim lhe podemos chamar - de vencer a morte.
Claro que não podemos entrar aqui em considerações sobre vencer a morte e não falar do final do livro.
Pessoalmente fiquei com a ideia que aquilo que volta é o wendigo no corpo do ressuscitado mas, por outro lado, acho que isso não faz totalmente sentido porque não estou a ver qual é a vantagem de voltar como um touro, como um cão atrofiado das ideias ou como um tipo que passa os dias a olhar para o infinito. Parece uma forma de possessão mas sem um propósito claro... Seja como for, optei por não pensar demasiado nisso pois caso contrário arrisco-me a que este seja mais um para a minha lista de "livros do Stephen King de cujos finais não gostei".
Portanto, de uma forma geral, posso dizer que apreciei bastante esta leitura. É um livro que se lê rapidamente e que, à semelhança daquilo a que este autor nos habituou, nos mantém absolutamente agarrados da primeira até à última página. Todo o ambiente está muito bem construído, as personagens são interessantes e consegue-se criar no leitor a sensação de tragédia iminente.
Assim sendo, tenham ou não já visto os filmes (ainda que o remake de 2019 se afasta significativamente da história original) diria que Samitério dos Animais é um livro incontornável para todos os fãs do mestre do terror.
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1 comments
Um dos meus livros preferidos de sempre
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