Batismo de Fogo (1996) de ANDRZEJ SAPKOWSKI
★★★☆☆
Sinopse:
A Irmandade dos Magos foi aniquilada e Geralt ficou seriamente ferido. O bruxo deveria ser o guardião dos inocentes e o protetor dos necessitados perante os monstros poderosos e implacáveis que fazem dos humanos a sua presa. Mas agora que tempos sombrios pairam sobre o mundo, Geralt não poderá defender os homens enquanto não recuperar dos seus ferimentos.
As guerras devastam todos os territórios e o futuro da magia está ameaçado. Mas as feiticeiras que sobreviveram estão determinadas a protegê-lo. É um momento conturbado, e Ciri, a herdeira do trono de Cintra, continua desaparecida. Surgem rumores de que ela estará na corte de Nilfgaard para casar com o imperador. Ferido ou não, Geralt tem uma missão a cumprir...
Opinião [contém spoilers]: Apesar de ter demorado imenso tempo a terminar este livro (Trabalhar com tabelas excel o dia todo, durante vários dias, faz com que adormeça sentada. Literalmente.), estou cada vez mais entusiasmada com a saga.
Digo-vos que, quando comecei a ler The Witcher, ia com aquela ideia de ser uma coleção dirigida a um público mais jovem, talvez por associar o livro ao jogo. Sim, eu sei que é uma ideia preconceituosa, até porque os jogos de computador não são só para miúdos... O que posso dizer? Fui vítima das minhas próprias ideias pré-concebidas. Seja como for, achei que os livros andariam muito à volta de lutas com monstros e romances manhosos. Não podia estar mais longe da verdade e só lamento ter demorado cinco volumes a perceber isso. Mas, mais vale tarde do que nunca, não é?
Se estão recordados, um dos eventos mais marcantes do volume anterior, O Tempo do Desprezo, foi o confronto em Thanedd, que resultou num Gerald ferido, uma Ciri transportada para um deserto tão abrasador que ficou conhecido como "A Frigideira", e uma escalada da ofensiva de Nilfgaard aos Reinos do Norte.
Em Batismo de Fogo, o autor volta a dar algum protagonismo a Geralt, que vamos encontrar na floresta de Brokilon, onde as dríades o tentam curar dos ferimentos que sofreu. Mas, ao ouvir que Ciri foi raptada e levada para a corte de Nilfgaard para casar com o Imperador Emhyr, decide seguir diretamente para lá, contra tudo aquilo que poderia ser considerado razoável e sensato. Este "agir por impulso", contra tudo e contra todos, é uma das caraterísticas que mais me irritam nesta personagem mas, acho que deve fazer parte da imagem de marca dele.
Esta viagem será o tema central deste volume e segue a tradição habitual do género: uma missão, vários perigos e obstáculos para enfrentar, e um grupo de companheiros que se apoia mutuamente apesar das diferenças que os separam. É certo que a receita não é propriamente nova mas, se resulta, para quê mudar?
Geralt parte de Brokilon com Jaskier, que proporciona alguns dos momentos mais hilariantes da viagem, contrastando assim com a postura carrancuda do bruxo; e Milva, uma arqueira cuja missão, até então, era escoltar os scoia'tael que fugiam do conflito e procuravam refúgio nas florestas. Inicialmente uma personagem forte, arqueira extraordinária e destemida, acaba por amolecer à medida que vai caindo de amores pelo bruxo (já não há paciência!). Achei toda a cena em torno da gravidez e do aborto completamente descontextualizada e sem qualquer valor para a história em si. A impressão com que fiquei foi que o autor quis dar uma lição sobre o direito ao aborto, que é uma decisão exclusiva da mulher e por aí fora. Compreendo tudo isso mas, acho que em termos da história em si, não acrescentou nada e, se ela tivesse partido uma perna, o resultado final teria sido o mesmo. A não ser, claro, que a criança venha a desempenhar algum papel num dos próximos volumes...
Pelo caminho, Geralt e Companhia vão conhecer um grupo de anões liderado por Zoltan, aos quais se juntam durante algum tempo; e Regis, um vampiro superior curandeiro e boticário que fez um voto de não beber sangue e que, pessoalmente, considerei uma das personagens mais interessantes deste volume.
Atrás deles segue Cahir, o nilfgaardiano que diz não o ser, e que é também o cavaleiro do elmo negro que surge nos pesadelos de Ciri. Ficamos a saber que partilha os mesmos sonhos que Geralt e que dizem respeito a Ciri (ou melhor, as mesmas visões, pois na prática é disso que se trata) mas pouco mais. A grande novidade a respeito desta personagem é que Cahir não se vê como um carrasco, mas sim como um salvador... como o cavaleiro que salvou Ciri de uma Cintra em chamas e à beira do colapso. Por isso, será interessante descobrir o que se passou depois dessa fuga e qual o papel que desempenhou e que levou a que se transformasse no pesadelo que assombra as noites de Cirilla.
Ciri, que entretanto se juntou aos Ratos, e que responde agora pelo nome de Falka, entrou numa espiral de loucura sanguinária, não hesitando em pôr em prática o que aprendeu em Kahr Moher, matando sem remorso e até com algum prazer. Acho que foi a personagem que mais cresceu e que apresenta maior contraste comparativamente ao livro anterior.
Em O Tempo do Desprezo, Ciri começa por se comportar como uma fedelha mimada com uma postura desafiante. Depois, quando atravessa "A Frigideira" parece amadurecer um pouco, talvez fruto de toda a provação que teve de suportar. Em Batismo de Fogo, já não vamos encontrar uma criança, mas uma bandida, que mata por prazer, e não hesita em degolar quem ousar desafiá-la. Honestamente, estou muito curiosa para ver como é que isto vai acabar... Suponho que em algum momento Ciri se voltará a cruzar com Geralt ou com Yennefer - que ela pensa terem-na abandonado - e vai ser interessante ver o que daí resulta.
Mas não só de lutas é feito o livro, e por isso é que eu dizia ao início que estava enganada quando achei que seria uma saga juvenil. Acabei por ler os primeiros volumes com pouca atenção e acho não absorvi toda a intriga política. Infelizmente, as intrigas políticas são talvez a chave essencial para se perceber o que move as diferentes personagens. Por isso, se estás a começar a ler a saga agora: presta atenção a todos os detalhes. Pode ser aborrecido mas, se não o fizeres, depois acabas como eu, a ter de andar constantemente a fazer esquemas no caderno para não me esquecer de quem são os aliados e quem são os inimigos.
Assim, à semelhança do volume anterior, vamos continuar a acompanhar uma conspiração. Se estão recordados, no volume anterior deu-se a dissolução do Capítulo, depois de os diferentes feiticeiros se aliarem a forças opostas: uns aos Reinos do Norte, e outros a Nilfgaard. Agora, é Francesa que decide reunir um grupo de feiticeiras, para fundarem uma nova irmandade com o objetivo de unir a magia com a política. Para tal, vão precisar de alguém com sangue real e magia poderosa... Ciri.
Como podem ver, este volume deixa muitas coisas em aberto, e sem dúvida que me deixou bastante curiosa acerca do que vem aí. Fiquei com a sensação que não evoluiu muito em termos de história, visto que grande parte é a viagem de Geralt e Companhia para Nilfgaard, mas foi precisamente nessa viagem que se levantaram algumas suspeitas interessantes, como o facto de Cahir talvez não ser totalmente fiel a Nilfgaard, e Ciri não ser a rapariga santa que todos julgavam ser.
Quais serão os efeitos da companhia dos Ratos em Ciri ?
Por que razão Cahir e Geralt partilham as mesmas visões ?
Qual será o papel de Regis ?
Será que a obsessão de Emhyr por Ciri é apenas uma questão estratégica ?
Para além de ter levantado estas questões e aguçado a curiosidade, o Batismo de Fogo teve outro ponto bastante positivo: a ausência de interações de Geralt com Yennefer. Não sei quanto a vocês, mas são personagens que funcionam muito melhor sozinhas do que em conjunto, sobretudo porque quando estão juntos parecem transformar-se numa versão apalermada deles próprios. Desconheço se a ideia era mesmo essa, ou se será o autor quem não tem muito jeito para desenvolver a parte romântica das relações (Há casos assim... Já viram, por exemplo, o Harrison Ford ou o Keanu Reeves em filmes românticos? É um horror! São ambos excelentes atores de ação mas, quando se trata de cenas mais íntimas ... ui!).
Há apenas um ponto negativo... as lições de moral ou de vida, ou lá que raio era aquilo, que o autor quis dar através da personagem de Regis. É a lição sobre o direito ao aborto, a lição sobre preconceitos, a lição sobre sexualidade, a lição sobre o medo do desconhecido. Eh pá, eu percebo a ideia de se introduzirem alguns temas fraturantes nos livros para levar as pessoas a refletir mas, desde que faça sentido! Digo isto não pela quantidade ou tipo de temas, mas pela forma descontextualizada como alguns deles foram utilizados. A situação do aborto, por exemplo, acabou por servir só de pretexto para Geralt e Companhia dizerem que é um direito que assiste às mulheres e que apenas elas devem tomar essa decisão. Deram tanta relevância àquilo que às tantas até pensei que a Milva estivesse grávida do Gerald (sabe-se lá, não é ? O tipo parece um íman sexual andante) ... Afinal não.
Mas, sem dúvida que os pontos positivos superam os negativos e por isso não hesito em recomendar o livro a quem procure ação, suspense, fantasia e intriga. Atualmente os livros já estão todos traduzidos para português pela Saída de Emergência, pelo que não corremos o risco de ficar com a coleção a meio. E por falar nisso... tenho de ir buscar o próximo volume aos correios (o maldito carteiro é alérgico a tocar à campainha!)
Boas Leituras!
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