Os Três Estigmas de Palmer Eldritch (1965) de Philip K.Dick
★★★☆☆
Sinopse:
O Inferno é um futuro no espaço. Um futuro em que, a qualquer momento, você pode ser deportado para colonizar outros planetas...
O Inferno é um futuro no espaço. Um futuro em que, a qualquer momento, você pode ser deportado para colonizar outros planetas...
A menos que seja projectado...
O único meio para sobreviver nos mundos a colonizar é a droga miraculosa que, durante uma hora, proporciona esquecimento total ... para uma viagem que está para além da experiência humana.
É que um novo narcótico apareceu, um narcótico que transforma em eternidade o tempo breve dessa hora. E então, passado, presente e futuro pertencem ao mais diabólico passador de droga que jamais existiu: Palmer Eldritch [Fonte: Dick, Philip K. Os Três Estigmas de Palmer Eldritch. Mem Martins: Publicações Europa América, 1964]
Opinião:
Os Três Estigmas de Palmer Eldritch (1965) é, juntamente com O Homem Duplo (1977) um dos meus livros favoritos de Philip K.Dick mas, tenho de ser franca, e dizer-vos que, durante grande parte do livro a minha reacção foi mais ou menos esta ...
Os Três Estigmas de Palmer Eldritch (1965) é, juntamente com O Homem Duplo (1977) um dos meus livros favoritos de Philip K.Dick mas, tenho de ser franca, e dizer-vos que, durante grande parte do livro a minha reacção foi mais ou menos esta ...
Aliás, continuo sem perceber bem a ideia por detrás de tudo aquilo, o que me provoca sentimentos bastante contraditórios: por um lado, chateia-me que as coisas não tenham ficado clarificadas, ali preto no branco, sem margem para dúvidas. Mas por outro lado, quando as coisas não ficam claras, isso permite-nos entrar no campo da especulação, em que todas as interpretações são possíveis, deixando de haver uma análise certa ou errada, eliminando logo à partida aqueles comentários pseudo-intelectuais do "tu é que não percebeste o livro".
E afinal de contas, o que é que há para perceber ?
O livro é estranho, alucinado, confuso ... Basicamente, nada a que um leitor do PkD não esteja já habituado. E, parece-me, a ideia é precisamente que o leitor se sinta tão perdido como as personagens, algo que na minha opinião foi muito bem conseguido com Os Três Estigmas de Palmer Eldritch.
A história passa-se no século XXI.
Na Terra, as temperaturas atingiram valores nunca antes vistos, o que leva a que ninguém arrisque sair de casa sem os fatos especiais que garantem o arrefecimento corporal.
As viagens interplanetárias são uma realidade, assim como o estabelecimento de colónias noutros planetas, como Marte. Contudo, esta colonização está longe de ser encarada como uma aventura, visto que se trata de uma imposição das Nações Unidas. Qualquer pessoa, a qualquer momento, pode receber uma convocatória a informar que será deportado para Marte. O regresso à Terra não é uma hipótese num futuro próximo, nem num futuro longínquo... Simplesmente não é uma opção. Quem é enviado para Marte, vai para ficar, independentemente de ser essa, ou não, a sua vontade.
Agora imaginem serem deportados para um sítio assim... Afastados de tudo aquilo que conheceram durante toda a vossa vida, forçados a viver em abrigos que têm de partilhar com outros colonos, constantemente sujeitos a tempestades de pó, com uma temperatura média que ronda os 60ºC negativos (Fonte: space.com) e totalmente dependentes das provisões que, de quando a quando, as Nações Unidas vos lançam.
Não sei quanto a vocês, mas eu tenho quase a certeza que poria rapidamente fim ao meu sofrimento.
No entanto, os colonos encontraram uma outra forma de escapar à sua miséria: uma droga chamada Can-D que, quando conjugada com as miniaturas Perky Pat, lhes permite viajar até a um cenário idílico na Terra.
« Para os colonos numa lua ululante, varrida pela ventania, amontoados no fundo de um abrigo para se protegerem dos cristais gelados de metano e de outras coisas, já era diferente; Perky Pat e o seu mundo miniaturizado significavam um regresso ao mundo em que haviam nascido » (pg. 22)
Claro que se ainda não leram o livro, não fazem ideia do que são as miniaturas, certo ? E foi assim que me senti durante uma grande parte do livro. Era "miniaturas para aqui", "Perky Pat" para acolá, e eu sem perceber que raio eram as miniaturas e para que é que serviam. Esta é mais uma das características dos livros de PkD: o facto de sermos atirados para o meio da realidade criada pelo autor, como se tivessemos a capacidade de ler mentes e adivinhar o que lhe vai na alma. Mas, se há coisa que aprendi é que, quando lemos um livro de Philip K.Dick, temos de nos deixar levar e não pensar demasiado. Mais tarde ou mais cedo as coisas começarão a ganhar algum sentido.
E assim foi com as miniaturas Perky Pat.
O nome representa exactamente aquilo que são: « a reprodução em pequena escala das condições prevalecentes na cidade média da Terra » (pg. 22) ... Basicamente, uma espécie de casa da barbie, com bonecos incluídos. Quando mascam a Can-D, os colonos projectam-se nestas personagens (as mulheres, na miniatura feminina; os homens, na miniatura masculina) e vivem através deles, « tornando suportável a vida para mais de um milhão de expatriados involuntários da Terra » (pg. 23). Portanto, quanto mais miniaturas tiverem, mais experiências podem ter. Já alguma vez jogaram The Sims ? Bom, a ideia é mais ou menos essa.
A este processo, os colonos chamam translação e é um assunto que suscita alguma controvérsia entre eles, pois enquanto uns acreditam que as suas almas vão realmente para a Terra, outros encaram a experiência como « meras manifestações exteriores dos locais e objectos envolvidos, não a sua essência » (pg.35).
Claro que - ou não fosse isto um livro de um autor que ficou conhecido, entre outras coisas, pelas suas teorias da conspiração - o indivíduo responsável pelo fornecimento de Can-D, Leo Bulero, é nada mais nada menos do que o presidente do império do micromundo de Perky Pat.
Que conveniente, não acham ?
Para se certificar que o seu negócio continua a crescer a um ritmo galopante, Bulero emprega "precognitivos", indivíduos com a capacidade de vislumbrar o futuro, cujo objectivo é antever quais as miniaturas que terão mais sucesso e, com base nessa informação, delinear a estratégia da empresa. Não fosse isto o suficiente, Bulero é também o fornecedor de Can-D mas, como coloca dinheiro nos bolsos certos, este seu negócio ilegal parece escapar ao radar da ONU.
Tudo parecia correr bem, até que « uma nave do Departamento de Controlo de Narcóticos das Nações Unidas apreendera todo um carregamento de Can-D perto do Pólo Norte de Marte, no valor de cerca de um milhão de peles, vindo das plantações rigorosamente guardadas de Vénus. Era evidente que o dinheiro do suborno não chegava a quem devia chegar, na complicada hierarquia das Nações Unidas » (pg. 16).
O motivo parecia estar relacionado com Palmer Eldritch, um industrial interplanetário « que tinha partido para o sistema Prox havia uma década, a convite do Conselho de Humanóides de Próxima » (pg. 13) e que regressava agora, vivo, mas aparentemente gravemente ferido.
« - Há um facto interessante - disse Blau. - A bordo da sua nave, Eldritch tinha - ainda tem - uma cultura cuidadosamente mantida de um líquen muito parecido com o de Titã, do qual é extraída a Can-D. » (pg. 17)
Esse produto tem o nome de Chew-Z e « é uma forma benigna, aprovada pelo Departamento de Narcóticos de Controlo de Narcóticos da ONU, que substituirá certas drogas de uso generalizado, mas perigosas » (pg. 48), como a Can-D.
O objectivo de Eldritch é claro: apoderar-se da estrutura de negócio já existente de Bulero e utilizá-la para comercializar nova droga, assegurando assim o monopólio de todo o negócio. Mas, em que é que a Chew-Z é superior à Can-D ?
« DEUS PROMETE A VIDA ETERNA, NÓS PODEMOS DÁ-LA »
É essa a garantia dada pelos produtores de Chew-Z, uma droga com a qual « pode-se passar de uma vida para outra vida, ser um percevejo, um professor de física, um falcão, um protozoário, uma anémona, um trauseunte em Paris em 1904, um ... » (pg. 70). Tudo isto sem a parafernália de miniaturas que constituem requisito obrigatório para a experiência com a Can-D, e dando ainda ao utilizador a possibilidade de criar o seu próprio mundo imaginário.
Ora, é precisamente quando surge o primeiro consumo desta droga que as coisas começam a ficar um pouco confusas, pelo menos para mim. Ao contrário da Can-D, a Chew-Z cria uma espécie de realidade dentro da realidade, dentro da realidade ... e a determinado ponto, já não sabemos se a pessoa ainda está sob o efeito da droga ou não. Por exemplo, há uma altura em que Bulero é injectado com Chew-Z. É-lhe depois administrado o antídoto e e ele regressa à realidade, ou assim parece, até que começam a acontecer coisas que não fazem sentido nenhum e chegamos à conclusão que a administração do antídoto e o despertar fazem parte da experiência ilusória e que, na realidade, ele continua sob o efeito da droga. E isto vai acontecer várias vezes ao longo da história ... Ou seja, um dos principais desafios ao ler Os Três Estigmas de Palmer Eldritch é precisamente alternar entre a realidade objectiva e a realidade ilusória (será?) que resulta do consumo de Chew-Z.
Há quem defina o livro como uma sátira metafísica, quem compare Palmer Eldritch ao Anti-Cristo e quem entre em considerações profundamente religiosas. Pessoalmente, tenho uma visão muito mais simplista das coisas: um dos seres de Proxima apoderou-se do corpo de Palmer Eldritch e utilizou-o como forma de chegar à Terra e estabelecer o comércio de Chew-Z com as colónias. O objectivo ? Tornar-se parte de todos aqueles que consumam a droga, perpetuando assim a sua própria existência, expandido-se e assegurando o seu domínio sobre os humanos.
Mas, lá está o que vos dizia ao início: a meu ver não há um certo ou errado. Sou da opinião que a forma como vivenciamos os livros que lemos é fortemente influenciada por uma série de factores subjectivos e intrínsecos e que uma pessoa mais voltada para questões metafísicas, pode fazer várias analogias e retirar uma conclusão completamente diferente daquela que um ateu retirará.
Mas, lá está o que vos dizia ao início: a meu ver não há um certo ou errado. Sou da opinião que a forma como vivenciamos os livros que lemos é fortemente influenciada por uma série de factores subjectivos e intrínsecos e que uma pessoa mais voltada para questões metafísicas, pode fazer várias analogias e retirar uma conclusão completamente diferente daquela que um ateu retirará.
Precisamente por esta ambiguidade, Os Três Estigmas de Palmer Eldritch é um livro que eu recomendaria a quem procura um livro acerca do qual reflectir. Salvaguardo no entanto, que têm de ir com mente aberta e dispostos a não perceber algumas coisas durante algum tempo, depois perceber, depois não perceber novamente. Este ser um ponto positivo ou negativo, dependerá muito do vosso estado de espírito.
Quanto a mim, já esgotei o stock de livros de Philip K. Dick que tinha por casa. Portanto, durante algum tempo, vou andar por outras paragens...
E vocês, já leram Os Três Estigmas de Palmer Eldritch ?
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