Pesadelo Cósmico (1979) de Bob Shaw - Colecção Argonauta n.º 330

by - dezembro 21, 2018

★★☆☆☆
Sinopse: 
« Bob Shaw é um dos maiores autores britânicos de ficção-científica. O seu estilo muito peculiar, simultaneamente preciso e empolgante, atinge uma nova dimensão em Dagger of the Mind, que na versão portuguesa tomou o título de Pesadelo Cósmico. Porque é de um verdadeiro pesadelo que se trata.
John Redpath é um doente, um epiléptico. Visões estranhas, horrorosas, envolvem-no. Que são elas? Um efeito inesperado da sua doença e dos medicamentos experimentais que é pago para tomar? Ou a realidade? Ou algo pior, incrivelmente pior - algo tão incrível que John Redpath não tem coragem de o revelar a quem quer que seja ? » [FONTE: coleccaoargonauta.blogspot.com]


Opinião: 
Robert Shaw (31/12/1931 - 11/02/1996) nasceu em Belfast e, de acordo com o Independent, é considerado um dos escritores de ficção científica mais amados da Grã-Bertanha. No entanto, antes de se dedicar à escrita a tempo inteiro, Bob Shaw trabalhou como engenheiro nas indústrias de siderurgia e aeronáutica, entre 1966-1969 como jornalista no Belfast Telegraph e, entre 1973 e 1975 como publicitário na Vickers Shipbuilding.


O autor refere que « não tinha qualquer tipo de ambição porque sabia que, tudo o que eu precisava para uma vida cheia e enriquecedora, eram uns quantos xelins por semana para comprar revistas de ficção científica e cerveja » [fonte: independent] e, talvez tenha sido esse o motivo que levou a que, apenas depois de 1975 se tivesse dedicado à escrita a tempo inteiro.

Ao todo, foram 40 anos de carreira literária, durante os quais Bob Shaw viria a produzir qualquer coisa como cerca de 25 livros de ficção-científica, várias colecções de contos (bibliografia completa de Bob Shaw) e ainda ganhar o Hugo Award para Best Fan Writer em 1979 e 1980.

O seu primeiro conto, The Enchanted Duplicator foi publicado em 1954 mas, seria apenas em 1966, com o lançamento de Light of the Other Days, nomeado para o Hugo - Best Short Story e Nebula - Best Short Story em 1967, que ganhou alguma reputação.

Estranhamente, quando comecei a pesquisa para esta review, não encontrei muita informação sobre este autor, e muito menos sobre o livro. Para ser franca, não encontrei nada à excepção das quatro reviews do goodreads. Fiquei logo reticente... Será que não há nada porque o livro não vale nada, ou será que não há nada apenas porque é pouco conhecido ? Em todo o caso, decidi arriscar. Afinal de contas, também encontrei pouca informação sobre Um Demónio no Cérebro, e acabou por se revelar um dos melhores livros que li este ano. Infelizmente nem todas as surpresas são boas, e o Pesadelo Cósmico acabou por ser uma daquelas leituras em que praticamente me arrastei ao longo das páginas.


O livro, que em inglês tem o título Dagger of The Mind, foi publicado em 1979 e, actualmente parece estar esgotado em Portugal. Se no entanto não se importarem de ler livros em segunda-mão, conseguem facilmente encontrá-lo à venda no olx ou na MBooks, que é onde tenho comprado os títulos da Colecção Argonauta, do qual o Pesadelo Cósmico faz parte.

A história anda em torno de John Redpath, cuja imagem "era de boa saúde, uma coisa de que Redpath se sentia muito grato uma vez que sofria de uma doença incurável" : epilepsia. No entanto, apesar da sua aparência saudável, o estigma e o preconceito relativamente à sua doença, levavam a que lhe fosse difícil encontrar quem o quisesse contratar para trabalhar. Foi assim que, sem trabalho e sem perspectivas de emprego, decidiu voluntariar-se "para tomar parte de uma série de experiências de telepatia no Jeavons", tendo-se destacado porque "os seus resultados na adivinhação de cartões tinham sido os mais altos entre os 800 participantes".

Redpath acaba assim por ficar com aquilo que lhe pareceu ser o maior "tacho" de todos os tempos: um salário mensal para, cinco vezes por semana, ir ao Departamento de Psicofisiologia do Instituto Jeavons fazer uns testes de telepatia. Porque é que eles andam a estudar isso? Não faço ideia. As únicas pistas que o autor nos dá é que o tal instituto anda a analisar formas de aumentar a capacidade telepática e que, para isso, começaram a administrar a Redpath um tal de "Composto 83, um inofensivo derivado de encefalina, modificado para o tornar altamente selectivo quanto às células cerebrais que afectava" e que efectivamente fez com que a sua capacidade telepática, que ao início era apenas vestigial, tivesse aumentado surpreendentemente.

Outras coisas que também aumentaram surpreendentemente ao longo do livro foram as incoerências e a minha indiferença relativamente à personagem principal. Pessoalmente, gosto de sentir algum tipo de empatia pelas personagens mas, neste caso, a indiferença era tal que, se ele tivesse escorregado no primeiro degrau de acesso à cave e partido logo ali o pescoço, não me teria feito grande diferença.


"Mas porquê?" - Perguntam vocês.

Excelente pergunta! Sabem aquele tipo de pessoa que é arrogante e ao mesmo tem a mania que é sofisticado, mas toda a gente sabe que é um labrego que não tem onde cair morto? Pois bem:apresento-vos John Redpath.

Ainda assim, isso não o impediu de se envolver sexualmente ou amorosamente, ou lá que raio de relação é aquela, com uma tal de Leila Mostyn, uma "matemática que fez o trabalho de pós graduação em estatística no departamento de investigação em que Redpath passava a maior parte do tempo". Quando a relação entre eles é abordada pela primeira vez, ficamos a saber que já houve ali troca de fluidos mas que, enquanto Redpath tem também um interesse romântico por Leila e ideias de uma relação de exclusividade, ela quer divertir-se e manter a liberdade para soltar a franga sempre que lhe apetecer sem ter de dar satisfações a ninguém.

Porque é que se envolveram ? Não faço ideia.
Leila acha que Redpath é "um homem nascido para perder. Parecia sempre disposto a ser um falhado, procurando com um inabalável instinto suicida todas as coisas que nunca poderia ter (...) procurava ser cosmopolita quando era um sopinhas provinciano"Redpath acha que Leila é uma ordinária que tem um homem diferente todas as semanas e que só se envolveu com ele por caridade. Ainda assim, quando ela deixa bem clara a sua posição quanto ao não-futuro da relação, ele entra em modo stalker, ao ponto de de ir a casa dela esfaqueá-la. (In)felizmente, parece que afinal era só uma alucinação...

Agora diga-me uma coisa: imaginem que tiveram uma discussão com a pessoa com quem têm um "envolvimento". Essa pessoa foi embora e regressa passadas algumas horas e diz-vos estar muito feliz por saber que estão bem porque tinha tido uma alucinação na qual usava a chave que sabe que têm escondida no vaso da entrada para entrar em vossa casa e esfaquear-vos até à morte. Assustador mas, vá... era uma alucinação e a pessoa não a conseguiu controlar, certo?

Mas entretanto vocês chegam a casa e vêem que realmente alguém entrou em vossa casa usando a tal chave que está escondida no vaso e, com uma faca, desfez uma almofada que têm no sofá. Há sangue no lava-loiça e um polícia vosso amigo diz-vos que viu a pessoa com quem têm o tal "envolvimento" na vossa rua, com um aspecto meio alucinado e com um corte da mão. Não sei quanto a vocês, mas eu mudava o raio da fechadura e arranjava um bando de mafiosos para lhe irem dar uma tareia.

O que é que a Leila faz ? Sexo e pequeno almoço na cama.

Pessoalmente achei que era uma relação que não fazia sentido nenhum e, honestamente, não percebi qual era o objectivo com esta dinâmica entre Leila e Redpath. Mas, se a ideia era criar um cenário que proporcionasse a manifestação da alucinação, havia hipóteses mais interessantes.

Entretanto, lá continuamos a acompanhar John Redpath e as suas considerações cheias de egocentrismo e complexos de inferioridade recalcados. Mas, se as coisas até agora não faziam muito sentido, ainda menos sentido fazem daqui em diante.

Vamos novamente a um cenário hipotético: estão sentados no jardim e, apesar de todos os bancos estarem vazios, uma mulher com "o rosto de uma rainha de ciganos", com "uns quarenta anos de idade" e que usava "um blusão de veludo azul sobre uma camisola vermelha, umas calças «Levis» desbotadas e sandálias castanhas cheias de poeira" se senta ao vosso lado, diz-vos ser dona de uma pensão e começa a impingir-vos um quarto. O que é que fariam ? Provavelmente iam embora, até porque não estão à procura de quarto nenhum. O que é que Redpath faz? Mete-se na carrinha dela, dentro da qual estava um tipo com um ar estranho e vai para a tal casa. Que sentido é que isto faz?! Nenhum. A determinado ponto do livro há tantas coisas que não fazem sentido nenhum que acabei por desistir de tentar encontrar algum tipo de lógica. Limitei-me a continuar a ler para ver no que é que aquilo dava.


Vem-se a descobrir que a casa é uma espécie de Ground Zero, de onde irradia todo o mal e que tem uns inquilinos bastante... peculiares. Em termos de personagens, achei que os inquilinos foram os únicos que deram algum interesse à história porque têm aquela aura de família creepy saída de um filme de terror. Temos Betty York, a tal mulher com "o rosto de uma rainha de ciganos"; Albert, que anda sempre com "um fato de treino castanho" e tem "um queixo anormalmente saliente"; Willburg Tennent que, apesar da sua "aparência de um livreiro bem colocado", a única coisa que coloca são as cruzes nos boletins de apostas e, por fim, Miss Connie, uma velhota que raramente fala e que "faz tricot da mesma maneira que uma velha senhora costuma fazer, mas não faz nada em particular. Limita-se a fazer malha".

Até agora, não parece muito claro onde entra a parte da ficção científica mas já lá vamos...


Parece que afinal a casa de Betty York é o refúgio de uma criatura alienígena, o Uma Vez Nascido, com poderes extra sensoriais que pretende escapar à morte. Na "sociedade alienígena baseada numa espécie de canibalismo" à qual pertence "quando um indivíduo alcança uma determinada idade, ele permite ser comido ou absorvido por um ser mais novo", mas o Uma Vez Nascido mudou de ideias, fugiu, "e há muito tempo, há 20 ou 30 anos (...) desceu na Terra". No entanto, apesar de ter estampado a nave espacial, a sua chegada passou completamente despercebida porque "como foi durante a guerra, os danos podiam ter sido provocados por uma bomba, explosão e ninguém ligou" (What?!). Seja como for, os seus conterrâneos não esquecem a traição, e "o nosso visitante está a ser perseguido por outro membro da sua espécie (...) e teve de se esconder". Esse perseguidor chama-se o Três Vezes Nascido.

Não sei se seria por falta de pontaria, dificuldade em estacionar a nave (se calhar a EMEL já chegou lá e a tarifa diária sairia um bocado cara) ou por qualquer outro motivo mas, o plano do Três Vezes Nascido para matar o Uma Vez Nascido era fazer pontaria a partir da nave e terraplanar tudo num raio de muitos quilómetros. "Talvez deixe de haver Europa", receia Redpath. Portanto, a única forma de evitar esta destruição, era matar o Uma Vez Nascido localmente e assim evitar que o Três Vezes Nascido bombardeasse a zona.

O único obstáculo à tarefa é o facto do Uma Vez Nascido ter uma espécie de poder sobre os habitantes da casa. Pelo que percebi, os corpos dos da sua espécie "são inúteis como máquinas mas eles compensam isso desenvolvendo uma série de talentos (...) telepatia, psicocineses, pré-conhecimento", que depois transferem para os indivíduos seleccionados e acabam por, de certa forma controlá-los remotamente (Albert tinha a capacidade de se teletransportar; Willburg Tennent, pré-conhecimento; Miss Connie, psicocinese e Betty York era a parte humana que mantinha tudo a funcionar). Infelizmente, não consegui perceber bem qual era o nível de controlo que a criatura exercia porque os comportamentos manifestados pelos inquilinos da casa, iam do perfeitamente normal ao completamente bizarro mas, deu para perceber que o seu objectivo era teletransportar-se para uma outra casa uma zona segura, onde o Três Vezes Nascido não o conseguisse destruir e, para isso, precisava de adicionar John Redpath à sua equipa.

F I M   D E   S P O I L E R

Pessoalmente achei que este livro estava cheio de boas ideias mas que foram muito pouco exploradas. Durante grande parte do livro o autor consegue manter uma certa aura de mistério, em que não sabemos ao certo se o que estamos a ler faz parte de uma alucinação ou realidade, e depois, a determinado ponto, temos duas folhas em que praticamente despeja tudo. A ideia que dá é que começou a escrever a história com uma ideia em mente, depois aquilo começou a ficar uma embrulhada e decidiu "ó pá, isto é ficção científica! Mete-se aqui uns
e damos o caso por encerrado".

Mas ... e este é um grande "MAS" as personagens são péssimas e há coisas que não fazem realmente sentido. Redpath é um tipo absolutamente detestável. Leila, que ao início até parece ser uma mulher independente e interessante, acaba por ser uma desilusão neste relação de dependência que mantém com Redpath. Percebo que a ideia devia ser haver ali o factor "romance" mas, decididamente, não correu muito bem.

Não foi um livro que me tivesse prendido e não será um livro que volte a ler mas, para todos os curiosos que, como eu, querem explorar as obras de ficção científica, vale a pena a leitura, até porque é um livro pequeno (201 páginas) e tem umas ideias interessantes.


 Classificação UmBlogueSobreLivros: ★★☆☆☆

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