Um Demónio no Cérebro (1984) de Frederik Pohl - Colecção Argonauta n.º 445

by - novembro 30, 2018

frederik pohl
★★★★☆
Sinopse: 
O romance Um Demónio no Cérebro integra-se no grupo das obras mais importantes do seu consagrado autor. Nele, conta-se a história de um homem que, de súbito, se sente obrigado a cometer crimes atrás de crimes, por influência de uma força estranha, demoníaca, que lhe ocupa o cérebro e domina o corpo, reduzindo-o ao papel de espectador impotente. O pior é que isto não acontece só a ele mais a mais pessoas em todas as partes do mundo. A sociedade está, portanto, a desintegrar-se e tudo indica que se trata de uma invasão de seres invisíveis, agentes do mal, vindos de um inferno situado algures entre as estrelas. Tem de haver, naturalmente, uma solução, mas qual ? Como poderão os homens lutar contra esses invasores instalados nos seus próprios cérebros ? [Fonte: POHL, Frederik. Um Demónio no Cérebro. Lisboa: Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1994 - n.º 445 Colecção Argonauta]


Opinião:
Frederik Pohl foi uma daquelas descobertas feitas por puro acaso.
Ou destino, como lhe chamam os mais supersticiosos.

Cheguei à estação do Cais do Sodré para apanhar o comboio para Belém e vejo que faltavam dez minutos para a partida. Bom, dez minutos é muito tempo para ficar sentada a pensar na morte da bezerra, e portanto decidi ir espreitar o espaço da MBooks. Assim que entrei, vi logo uma caixa com um cartaz em cima que dizia Promoção Ficção Científica: 1 livro = 1 €, 4 livros = 2.50€.

Quando me aproximei e vi que estava perante a mítica Colecção Argonauta, Santo Graal da Ficção Científica, com cada livro a custar 0.62 € se levasse os quatro, só me restava uma opção: arregaçar as mangas.

Seja como for, normalmente não faço compras por impulso, e portanto decidi focar-me em ver se encontrava alguma coisa do Philip K.Dick.

Encontro um. O Homem Duplo.
Encontro dois. Os Jogadores de Titã.
Encontro três. Depois da Bomba.

Faltava um para poder usufruir dos 4 livros = 2.50 €.
Pego no Um Demónio no Cérebro porque a capa me chamou a atenção.
Leio a sinopse que parece tão boa quanto a capa.
E pronto, foram estes os critérios.

Só depois de o ter começado a ler é que percebi que tinha feito uma excelente escolha.
E nem sequer foi preciso ler muito, considerando que ao fim de três páginas já estava rendida ao livro.

Mas, antes de avançarmos, tenham isto em mente: Frederik Pohl ganhou praticamente todos os prémios literários de ficção científica que há para ganhar, entre os quais, o John W. Campbell Memorial Award (1978 e 1985), o Nebula Award (1977 e 1978) e o Hugo Award (1966, 1967, 1968, 1973, 1978, 1986 e 2010). Portanto, para escolha aleatória até que não me saí nada mal.


Um Demónio no Cérebro foi publicado pela primeira vez nas edições de Outubro e Dezembro de 1962 da revista Galaxy Science Fiction, com o título A Plague of Pythons [podem ler online carregando em cima das imagens abaixo].

 Galaxy Science Fiction December 1962      Galaxy Science Fiction October 1962

O livro é publicado em 1965 e, em 1984 sai uma versão actualizada, com o título Demon in the Skull, cujo título em português seria Um Demónio no Cérebro e que começa com "setecentos e cinquenta e um dias antes do julgamento de Chandler, o mundo que ele conhecia acabou". Como devem imaginar, para uma fã de cenários pós-apocalípticos, um livro que começa com uma destruição a nível global ...



Estamos então numa sala de julgamentos onde Chandler, um engenheiro electrónico, está a ser julgado por ter violado e morto (não necessariamente por esta ordem) uma rapariga de dezasseis anos. 

As provas são irrefutáveis.
O próprio Chandler confessa ter morto Margaret Flershem com uma chave de fendas.
Confessa também ter abusado sexualmente dela.
Mas, se há algo que não aceita, é confessar que é culpado.

Esta ideia pode parecer contraditória.
Afinal de contas, se a violou e matou, como é que pode não ser culpado ?

Lembram-se de um filme com o Bruce Willis chamado Os Substitutos, em que as pessoas ficavam em casa mas tinham uma espécie de avatar no mundo real ao qual se ligavam e viviam através dele ?


Bruce Willis no papel de Greer | Os Substitutos (2009)

A ideia é mais ou menos essa.

A principal diferença aqui é que as pessoas são possuídas por uma entidade.
Ou seja, num momento estamos confortavelmente sentados no sofá a ver um filme, e no momento seguinte estamos a cortar o nosso próprio pescoço com a faca do pão. E tudo, porque a entidade que nos possuiu estava aborrecida e achou que isso seria uma forma interessante de passar o tempo. Basicamente, somos nós os avatar das entidades.

Mas não pensem que, quando estão possuídos, não dão conta de nada.
Nada disso ...
Estarão bastante conscientes de tudo o que se está a passar. 
Simplesmente deixam de ter qualquer controlo sobre o vosso corpo.

Agora imaginem também, que não há qualquer regra sobre a possessão.
Qualquer pessoa pode ser possuída. 
Em qualquer lugar.
A qualquer momento.
Imaginem as possibilidades ...


Fotografia de UmBlogueSobreLivros(2018)

Pondo as coisas desta forma, já começa a fazer sentido o facto de Chandler insistir na sua inocência e, ao mesmo tempo, afirmar ter cometido os crimes. Resta saber quem, ou o quê, o levou a fazê-lo. A verdade é que ninguém parece saber ao certo quem são "eles" ...

" Depois tinham chegado os possessores. Os feiticeiros. Os extra-terrestres. O que quer que fosse que se abatera sobre a terra nessa época de Natal."

À medida que avançamos no livro, vamos tendo noção do imenso poder que estas entidades têm e da facilidade como que, em tão pouco tempo, conseguiram destruir tudo aquilo que conhecemos e dominar o mundo.

" Custava a crer que se estava na era das viagens espaciais, da potência nuclear e dos computadores, agora que todos os três tinham sido eficazmente abolidos, e o poder dominante sobre a Terra era... bom... o único termo para o designar era feitiçaria."

Frederik PohlFrederik Pohl

Para mim, esta aura de mistério em torno das entidades, foi um dos aspectos que me manteve completamente agarrada ao livro e isso deve-se, sem dúvida, à forma como o autor conduziu a história. Comecei por não fazer ideia do que se tratava nem da razão pela qual estes possessores pareciam ser especialmente perversos. À medida que ia acompanhando Chandler, mais me convencia que não havia nenhum propósito em toda a destruição mas ...

" Era evidente que, fossem « os executivos » quem fossem, eram possivelmente seres humanos - ou, se não fossem exactamente humanos, pelo menos partilhavam a característica humana de trabalhar mediante um esforço organizado em direcção a um determinado objectivo." 

Esse objectivo, assim como a identidade dos « executivos » acabam, naturalmente, por ser revelados e, se eu já estava agarrada ao livro, ainda mais fiquei. Quanto mais compreendia como é que funcionava a possessão, mais pensava nas suas infinitas possibilidades. E quanto mais o autor mergulhava no modo de vida dos « executivos », mais eu dava comigo a justificar este e aquele comportamento porque, afinal de contas, determinadas coisas até faziam sentido. 

O que nos leva a outro aspecto importante: as personagens.

Chandler, que iremos acompanhar durante todo o livro, começa por ser acusado injustamente para terminar "dilacerado entre uma esperança desesperada e uma horrorizada repugnância" e será através dos seus olhos que vamos conhecer os dois lados: o do possessor e o do possuído. 

Será também através de Chandler que seremos transportados para uma zona cinzenta e obscura... Aquela zona de que eu tanto gosto e que já tinha encontrado nos livros de Richard Morgan, como o Carbono Alterado e Forças do Mercado. Pronto, confesso que gosto de personagens malvadas e obscuras e, adoro, quando essas personagens fazem coisas que sei serem moralmente reprováveis mas que tenho perfeita noção que, no lugar delas, faria exactamente a mesma coisa. E acreditem que, quando lerem este livro, alguns de vocês também de vão debater com o dilema sobre se prefeririam estar do lado dos possuídos ou dos possessores. Quanto a mim, não tenho dúvidas de que lado estaria ... e, acreditem, ia divertir-me à brava!


Frederik PohlFrederik Pohl

Para terminar, não me posso esquecer de referir o ambiente.
Há aqueles livros em que as coisas se vão passando em torno de determinadas personagens mas não nos sentimos verdadeiramente mergulhar no mundo delas. Em Um Demónio no Cérebro, pelo contrário, a sensação de medo e de opressão é quase palpável. A personagem principal, Chandler, vai passando por diversos locais no decurso da acção e, em todos eles, conseguimos sentir a opressão que reina, e a impotência daqueles a que ela estão sujeitos. Claro que o autor é bastante gráfico e existem cenários que poderão ferir a sensibilidade de alguns leitores que normalmente lêem coisas, digamos, mais "cor de rosinha". Mas, se vieram parar a UmBlogueSobreLivros e estão a ler uma review de um livro chamado Um Demónio no Cérebro, parece-me altamente improvável que pertençam a esse grupo de leitores. 

" - Exactamente - disse Hsi - onde as pessoas... onde as pessoas servem de exemplo e de lição para si e para mim. Está lá cerca de uma dúzia, certo? Poucas, para esta época do ano, Chandler. Geralmente há mais. Notou alguma coisa de especial nelas ?
 - Estão todas mutiladas! Há algumas cujas pernas parecem ter sido queimadas até se consumirem. Têm os olhos arrancados, os rostos ...- Chandler deteve-se abruptamente. Já tinha sido suficientemente mau ver aqueles semicadáveres que e contorciam; não queria falar deles."

Portanto se, tal como eu, ainda não tinham oportunidade de ler nada de Frederik Pohl, este será sem dúvida um bom livro para começar. Eu ainda não conhecia o autor mas, fiquei de tal forma rendida que ontem fui novamente à Mbooks ver se encontrava mais alguma coisa dele. Saí de lá com O Mundo de Midas 1 e O Mundo de Midas 2, cujas reviews espero fazer em breve.

E vocês, já conheciam este autor ou o livro Um Demónio no Cérebro ?
Contem-me tudo... 

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