Chamavam-lhe Grace (1996) de Margaret Atwood
★★★★☆
Sinopse:
Corre o ano de 1843 e Grace Marks foi condenada pelo seu envolvimento no brutal homicídio do patrão e da sua governanta. Há quem julge Grace inocente; outros dizem que é perversa ou louca. Agora a cumprir prisão perpétua, Grace diz não ter qualquer memória do crime.
Corre o ano de 1843 e Grace Marks foi condenada pelo seu envolvimento no brutal homicídio do patrão e da sua governanta. Há quem julge Grace inocente; outros dizem que é perversa ou louca. Agora a cumprir prisão perpétua, Grace diz não ter qualquer memória do crime.
Um grupo de reformadores e espíritas que pedem que Grace seja perdoada contrata um especialista em saúde mental. Ele escuta a sua história, fazendo-a recuar até ao dia que ela esqueceu. O que encontrará ele quando tentar libertar as memórias de Grace ?
Imagino que a maioria de vocês estará de acordo comigo quando digo que não há nada como um bom unsolved case. Sobretudo se esse caso envolver mortes em circunstâncias não totalmente esclarecidas, e muitos espaços em branco por preencher.
E a história que envolve Grace Marks, « uma das canadianas mais célebres da década de 1840 por ter sido condenada por homicídio aos dezasseis anos » é um desses casos.
Corria o ano de 1843 quando Thomas Kinnear e a sua governanta, Nancy Montgomery, foram encontrados mortos na cave da casa. Ele, com um tiro no peito. Ela, com uma machadada na cabeça e (pois, que nisto de assassinar alguém mais vale jogar pelo seguro) estrangulada com um lenço. Grace e James McDermott, ambos empregados na casa de Kinnear, fugiram juntos para os Estados Unidos, acabando no entanto por ser capturados e acusados dos homicídios. McDermott foi enforcado a 21 de Novembro de 1843 e Grace Marks, condenada a prisão perpétua, tendo dado entrada na penitenciária provincial de Kingston a 19 de Novembro de 1843, onde viria a passar 28 anos e 10 meses, até lhe ter sido concedido indulto. Os registos indicam que, depois disso, terá ido para o estado de Nova Iorque mas, o resto da sua história permanece uma incógnita.
Outro aspecto que permanece uma incógnita é o papel que Grace Marks terá desempenhado nos assassínios de Thomas Kinnear e Nancy Montgomery.
« Tratar-se-ia de uma mulher perversa e sedutora, a instigadora do crime e a verdadeira assassina de Nancy Montgomery, ou de uma vítima involuntária, forçada ao silêncio pelas ameaças de McDermott e por temer pela própria vida ? »
Se tivesse de definir Chamavam-lhe Grace numa só palavra, diria surpreendente. Não me refiro a nenhuma parte do livro em específico mas sim, ao seu todo porque foi um livro que realmente me surpreendeu a cada página e que, embora não me tenha agarrado logo de início, a partir de determinado ponto dei comigo a não conseguir pousá-lo.
Para começar, eu nunca tinha ouvido falar da Grace Marks e não fazia ideia que o livro era baseado numa história real. A sinopse que está na contra capa (que podem ler no topo desta publicação) também não é particularmente elucidativa e iniciei a leitura com a ideia de que era um livro que havia de ter espíritos ou possessões demoníacas pelo meio. "Mas caramba!" - pensei eu - "É um livro da Margaret Atwood! Ela até podia escrever sobre a vida sexual das batatas, que aquilo havia de ser interessante!")
A realidade é que « é difícil saber em que acreditar. Grace Marks parece ter contado uma história no interrogatório, outra no julgamento e ainda uma terceira depois da comutação da pena de morte ». E sabem o melhor disto tudo ? É que todas estas contradições estão brilhantemente conseguidas no livro e tão depressa damos connosco solidários com a Grace e a pensar na vida desgraçada que teve, como ficamos com a sensação de estarmos a ser completamente manipulados e levados a acreditar na história que ela pretende que acreditemos. Não fosse isto suficiente, ainda surge uma terceira hipótese já quase no final do livro ... Mas, apesar de eu ser uma língua de trapos, desta vez vou guardar segredo.
Claro que o livro podia ser só isto.
Ponto final.
A história da Grace Marks.
Mas não é.
Pelo contrário, iremos também acompanhar a história de uma série de outras personagens cujas vidas, em determinado ponto, se cruzam ou se cruzaram, com a de Marks e assim ter uma ideia dos ideais e mentalidade dominante no século XIX, sobretudo no que diz respeito ao papel da mulher.
Portanto, se gostam de um bom mistério e, principalmente, se não fazem questão de ter um final "preto no branco", este livro é capaz de ser uma boa aposta! Por outro lado, aqueles que gostam de ir mais além, também ficarão satisfeitos porque há imenso material na internet acerca deste caso e para terminar, a cereja no topo do bolo: a adaptação do livro pela Netlix (pessoalmente ainda não tive oportunidade de ver a série mas parece-me estar bem classificada no IMDB).
Se já leram o livro, gostava de saber o que acharam!
Será a Grace culpada, inocente ou outra coisa ... ?
Poderão gostar de ...
📖 A História de Uma Serva - Margaret Atwood
📖 O Coração é o Último a Morrer - Margaret Atwood
📖 O Ano do Dilúvio - Margaret Atwood
Poderão querer espreitar ...
🔍 The Trials of James McDermoot and Grace Marks (Toronto, 1843)
🔍 An Historical Enigma: The real Grace Marks and Alias Grace
Adaptação para televisão
📺 Alias Grace (TV Mini Serie 2017)
OPINIÃO
"CHAMAVAM-LHE GRACE"
por Cátia Fonseca@UmBlogueSobreLivros
Fotografia de UmBlogueSobreLivros©2018 |
E a história que envolve Grace Marks, « uma das canadianas mais célebres da década de 1840 por ter sido condenada por homicídio aos dezasseis anos » é um desses casos.
Corria o ano de 1843 quando Thomas Kinnear e a sua governanta, Nancy Montgomery, foram encontrados mortos na cave da casa. Ele, com um tiro no peito. Ela, com uma machadada na cabeça e (pois, que nisto de assassinar alguém mais vale jogar pelo seguro) estrangulada com um lenço. Grace e James McDermott, ambos empregados na casa de Kinnear, fugiram juntos para os Estados Unidos, acabando no entanto por ser capturados e acusados dos homicídios. McDermott foi enforcado a 21 de Novembro de 1843 e Grace Marks, condenada a prisão perpétua, tendo dado entrada na penitenciária provincial de Kingston a 19 de Novembro de 1843, onde viria a passar 28 anos e 10 meses, até lhe ter sido concedido indulto. Os registos indicam que, depois disso, terá ido para o estado de Nova Iorque mas, o resto da sua história permanece uma incógnita.
Grace Marks e James McDermott |
Outro aspecto que permanece uma incógnita é o papel que Grace Marks terá desempenhado nos assassínios de Thomas Kinnear e Nancy Montgomery.
« Tratar-se-ia de uma mulher perversa e sedutora, a instigadora do crime e a verdadeira assassina de Nancy Montgomery, ou de uma vítima involuntária, forçada ao silêncio pelas ameaças de McDermott e por temer pela própria vida ? »
Chamavam-lhe Grace
Margaret Atwood
Temos portanto um crime em que, pelo menos um dos envolvidos, polarizou a opinião pública e deu origem a posições totalmente opostas, tendo sido precisamente essa ambiguidade o ponto de partida para Chamavam-lhe Grace, tal como a autora refere numa entrevista à Indiewire (ler entrevista: Margaret Atwood on "Alias Grace"): « Havia tantas histórias diferentes e contraditórias sobre Grace Marks; nunca ninguém soube realmente se ela tinha morto alguém ou não. Havia quatro pessoas na casa. Duas foram assassinadas, a terceira foi enforcada e ela foi a única que restou. E ela nunca contou ».
Margaret Atwood não pretende, no entanto, apurar responsabilidades ou sequer criar uma espécie de policial em que tudo se desvenda no final. Afinal de contas, o livro é uma obra de ficção histórica e, como tal, embora seja baseado em eventos reais, « quando os registos continham meras sugestões ou lacunas patentes, senti-me livre para inventar ».
Portanto, aquilo que vamos encontrar em Chamavam-lhe Grace é uma mistura entre factos e ficção, mas tão bem conseguida que, muitas vezes, a linha que separa as duas se esbate.
Um pouco à semelhança do que acontece em A Sangue Frio, de Truman Capote. Em comum têm o facto de se basearem numa investigação exaustiva de várias fontes e de tentarem construir uma narrativa (ou preencher os espaços em branco, se preferirem) à volta de um acontecimento que atraiu a opinião pública. No caso de Marks, esta curiosidade está bem documentada na transcrição do julgamento de James McDermott e Grace Marks que refere que « o tribunal foi ocupado por uma multidão ansiosa por testemunhar os procedimentos neste caso de extrema atrocidade », sendo a multidão tal que, a determinado ponto, um jornalista deu um alerta, dizendo que o chão iria desabar e acabou tudo a sair em correria pelo tribunal fora.
Bom, agora que já temos a parte introdutória e já devem ter ficado com uma ideia dos factos por detrás da história, vamos ao livro propriamente dito!
Se tivesse de definir Chamavam-lhe Grace numa só palavra, diria surpreendente. Não me refiro a nenhuma parte do livro em específico mas sim, ao seu todo porque foi um livro que realmente me surpreendeu a cada página e que, embora não me tenha agarrado logo de início, a partir de determinado ponto dei comigo a não conseguir pousá-lo.
Para começar, eu nunca tinha ouvido falar da Grace Marks e não fazia ideia que o livro era baseado numa história real. A sinopse que está na contra capa (que podem ler no topo desta publicação) também não é particularmente elucidativa e iniciei a leitura com a ideia de que era um livro que havia de ter espíritos ou possessões demoníacas pelo meio. "Mas caramba!" - pensei eu - "É um livro da Margaret Atwood! Ela até podia escrever sobre a vida sexual das batatas, que aquilo havia de ser interessante!")
Bem, foi pouco depois de ter começado a ler e me ter deparado com umas quantas citações retiradas de documentos e jornais da época, que decidi investigar e descobri que afinal Chamavam-lhe Grace se baseava na história de Grace Marks, o que tornou logo tudo muito mais interessante.
O que Margaret Atwood faz neste livro, é introduzir uma personagem, o Dr. Simon Jordan, um especialista em saúde mental contratado pelo comité que pretende o perdão para Grace, e que através de várias conversas com ela, tentará fazer recuar a sua memória até ao dia dos crimes.
« O meu objectivo é despertar a parte do cérebro que permanece adormecida, sondar o que se encontra debaixo do limiar da consciência e descobrir as recordações que forçosamente aí estão enterradas. »
Chamavam-lhe Grace
Margaret Atwood
Poderemos assim dizer que o Dr. Jordan é uma espécie de fio condutor da narrativa, através do qual nos vai sendo dado a conhecer as diferentes perspectivas do mesmo caso. De um lado, os que defendem que « a loucura de Grace Marks era uma simulação (...) ela não era demente, como pretendia, mas que tentava atirar-me areia para os olhos de uma maneira estudada e flagrante », « trata-se de uma criatura desprovida de dotes morais e com uma propensão para o crime fortemente desenvolvida». Do outro, os que alegam que « era pouco mais do que uma criança, uma pobre rapariga sem mãe (...) muito ignorante e analfabeta, e pouco mais do que atrasada », tendo sido assim muito fácil ludibriá-la e levá-la a cometer o crime ou, pelo menos, tomar parte nele.
Sarah Gadon no papel de Grace Marks | "Alias Grace" (TV Miniserie - 2017) |
A realidade é que « é difícil saber em que acreditar. Grace Marks parece ter contado uma história no interrogatório, outra no julgamento e ainda uma terceira depois da comutação da pena de morte ». E sabem o melhor disto tudo ? É que todas estas contradições estão brilhantemente conseguidas no livro e tão depressa damos connosco solidários com a Grace e a pensar na vida desgraçada que teve, como ficamos com a sensação de estarmos a ser completamente manipulados e levados a acreditar na história que ela pretende que acreditemos. Não fosse isto suficiente, ainda surge uma terceira hipótese já quase no final do livro ... Mas, apesar de eu ser uma língua de trapos, desta vez vou guardar segredo.
Claro que o livro podia ser só isto.
Ponto final.
A história da Grace Marks.
Mas não é.
Pelo contrário, iremos também acompanhar a história de uma série de outras personagens cujas vidas, em determinado ponto, se cruzam ou se cruzaram, com a de Marks e assim ter uma ideia dos ideais e mentalidade dominante no século XIX, sobretudo no que diz respeito ao papel da mulher.
Portanto, se gostam de um bom mistério e, principalmente, se não fazem questão de ter um final "preto no branco", este livro é capaz de ser uma boa aposta! Por outro lado, aqueles que gostam de ir mais além, também ficarão satisfeitos porque há imenso material na internet acerca deste caso e para terminar, a cereja no topo do bolo: a adaptação do livro pela Netlix (pessoalmente ainda não tive oportunidade de ver a série mas parece-me estar bem classificada no IMDB).
Se já leram o livro, gostava de saber o que acharam!
Será a Grace culpada, inocente ou outra coisa ... ?
Poderão gostar de ...
📖 A História de Uma Serva - Margaret Atwood
📖 O Coração é o Último a Morrer - Margaret Atwood
📖 O Ano do Dilúvio - Margaret Atwood
Poderão querer espreitar ...
🔍 The Trials of James McDermoot and Grace Marks (Toronto, 1843)
🔍 An Historical Enigma: The real Grace Marks and Alias Grace
Adaptação para televisão
📺 Alias Grace (TV Mini Serie 2017)
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