Nave Mundo (1958) de Brian Aldiss - Colecção Argonauta n.º 333

by - dezembro 28, 2018

★★★★☆
Sinopse: 
De Brian Aldiss pode-se dizer tudo numa frase: é o melhor autor de ficção científica britânico na actualidade ... e ninguém dirá que na Grã-Bretanha escasseiam os bons autores de FC. De Non Stop - que, na versão portuguesa, por motivos que os leitores bem compreenderão, recebeu o título de « Nave Mundo » - basta que se repita o que disse um jornal bem conhecido,  « The Observer » : « Leitura fascinante de princípio ao fim e, então, quase se descobre a razão de tudo, o leitor volta ao princípio ». [Fonte:ALDISS, Brian. Nave-Mundo. Lisboa: « Livros do Brasil », 1985]



Opinião: 
O livro de hoje, Nave-Mundo, é o número 333 da Colecção Argonauta. Como sabem, comecei recentemente a ler esta colecção que conta com qualquer coisa como 563 livros, e portanto, durante os próximos tempos vou ter muito com que me entreter. Curiosamente, até há bem pouco tempo, a ficção científica não era propriamente um género que me suscitasse especial interesse, o que faz com que haja autores que me são totalmente desconhecidos e outros dos quais só conheço o nome. Brian Wilson Aldiss (18/08/1925 a 19/08/2017), autor da Nave-Mundo, faz parte do primeiro grupo e é um excelente exemplo daquilo que tenho andado a perder.

Brian Wilson Aldiss
(18/08/1925 a 19/08/2017)

Este autor, cujo trabalho foi fortemente influenciado por Herbert George Wells, produziu mais the 40 livros e quase o mesmo número de colecções de contos, tendo começado a publicar as suas histórias em meados dos anos 50, numa época em que a ficção científica era dominada por escritores norte-americanos, mais orientados para as revistas comerciais. Naquela altura, o seu trabalho foi considerado um "lufada de ar fresco" para um género que começava a sufocar nas suas próprias ortodoxias, tendo-se destacado pela prosa inteligente, repleta de humor subversivo, e pela diversidade imaginativa (Fonte: The Guardian).

Em 1959, Aldiss recebeu o seu primeiro reconhecimento internacional, ao ser nomeado para o prémio de Most Promisiong New Author pela World Science Fiction Convention. Anos mais tarde, durante o período que o autor viria a chamar dos seus « anos da ficção científica », recebeu também um Hugo Award - Best Short Story (1962) pelo The Hothouse Series (1962) e, em 1965, um Nebula - Best Novella pelo The Saliva Tree (1965).  Ambos os livros estão traduzidos para português. O primeiro ficou com o título A Longa Tarde da Terra e o segundo, A Árvore da Saliva. O primeiro estou a ter alguma dificuldade em encontrar. Já o segundo, encontrei-o ontem na MBooks do Cais do Sodré e custou-me apenas 63 cêntimos!

Brian AldissBrian Aldiss

Podemos dizer que o trabalho de Brian Aldiss se centrava, essencialmente, nas short-stories e novellas, até que, em 1958, quando trabalhava como editor no Oxford Mail, publica o seu primeiro novel: Non-Stop (também conhecido como Starship ou, em português, como Nave-Mundo), inspirado no livro Orphans of the Sky (1941) de Robert H. Heinlein.

A primeira coisa que me prendeu a atenção neste livro foi a história passar-se a bordo de uma nave espacial, mas este facto ser ignorado por muitas das pessoas a bordo, para quem "o mundo é um lugar maravilhoso. (...) constituído por camadas e camadas de conveses, como este, e essas camadas não têm fim, porque acabam por formar um círculo sobre si próprias. (...) e todas essas camadas estão cheias de lugares misteriosos, uns bons, outros maus, e todos os corredores estão bloqueados por pónicos".

Para estas pessoas, que não conhecem outra realidade, e que não percebem a diferença entre o natural e o construído, quaisquer teorias sobre estarem a bordo de uma nave não passam disso mesmo: teorias. Pessoalmente, adorei o conceito e, se há coisa que me deixe completamente presa a um livro são estas histórias contadas pela metade, porque começo logo a pensar numa série de cenários hipotéticos e a levantar questões que tendem a resvalar para teorias da conspiração...


O que é que aconteceu para estarem todos a bordo de uma nave ?
Quem é que construiu a nave e para que efeito ?
Para onde é que a nave se está a dirigir ?
Quem é que conduz a nave ?
Estarão mesmo a bordo de uma nave ou aquilo é uma experiência social ?


Desde logo que ficamos a saber que os habitantes da Nave-Mundo estão organizados em tribos e que a nossa figura principal, Roy Complain, é um caçador da Tribo de Greene, composta por cerca de 900 pessoas que, de tempos em tempos, se vêem obrigadas a "deslocar-se para outras terras pela sua incapacidade em manter colheitas adequadas ou comida vida". Este avanço é feito vagarosamente através da densa vegetação que, à medida que vai sendo cortada, vai revelando portas atrás das quais se podem encontrar "mil estranhas coisas, úteis, inúteis ou sem significado, que em tempos tinham pertencido à extinta raça dos Gigantes".


Non-StopNon Stop

Uma dessas descobertas foi um livro chamado « Manual dos Circuitos Eléctricos da Nave Interstelar », onde constava « um plano da nave completa », e que o padre Henry Marapper conseguiu, ardilosamente, esconder por baixo da blusa. Ele, que sempre defendera a teoria da nave-mundo, vê nesta descoberta uma confirmação das suas suspeitas e uma oportunidade para descobrir a localização da sala de comando, matar o Comandante e ficar com o domínio da nave. 

Para levar a cabo esta tarefa, Marapper decide reunir um grupo de homens composto por Wantage, também chamado de Cara-Rachada devido a uma deformação no rosto; Bob Fermour, « um tipo retardado que só servia para trabalhar nos compartimentos dos campos », Ern Roffery, o avaliador que determinava quanto valiam os bens que se pretendia trocar e, por último, Roy Complain, o caçador da tribo à qual todos eles pertencem.

A aventura levá-los-ia para fora dos « Alojamentos » e pelos « Caminhos Mortos », onde vários perigos espreitavam: « havia as gentes misteriosas de Vante » onde « os homens tinham costumes estranhos e armas e poderes desconhecidos »; os mutantes, criaturas sub-humanas que « viviam como eremitas, ou em pequenos grupos nos entrançados, expulsos para ali pelas tribos » e que tinham « demasiados dentes, ou demasiados braços, ou miolos a menos »; Os-de-Fora, que não eram humanos e « tinham sido criados sobrenaturalmente da seiva quente dos entrançados (...) não tinham coração bem pulmões, mas por fora pareciam-se com os outros » e, por fim, os Gigantes, cuja grandeza era evidente e a quem tudo pertencera em tempos passados.


Nave-Mundo Brian Aldiss

Pessoalmente, gostei bastante da Nave-Mundo, sobretudo porque nos dá uns quantos teasers logo ao início que nos deixam com a imaginação a fervilhar. Ao longo da leitura, vão surgindo, aqui e ali, pequenas pistas que nos levam a determinadas conclusões mas, assim que começamos a pensar "Ahhhh já percebi o que se está a passar!", lá vem mais uma revelação que nos leva a ter de reorientar as conclusões que tirámos.

Robert Parker, do blogue RoguesandReavers, abordou esta questão de uma forma muito interessante! Ele compara a narrativa de Non-Stop ao design de uma masmorra, dizendo que são, essencialmente «mistérios que funcionam em múltiplos níveis». Assim, num nível mais imediato, a questão é "O que é que está na próxima sala?". Num nível mais profundo, a questão será "Porque é que isto está aqui?". E, à medida que estas camadas vão sendo removidas, a questão que permanece é "Como é que isto aconteceu?" 

Tendo isto em conta, talvez não fiquem surpreendidos em saber que Nave-Mundo serviu de inspiração ao primeiro RPG (role-playing game) de ficção científica, Metamorphosis Alpha, lançado em 1976.


Metamorphosis Alpha

Tal como acontece com o Metro 2033, que também serviu de base a um jogo FPS (first-person shooter) de survival horror, nunca sabemos mais do que as personagens principais, porque nunca estamos onde elas não estão. Ou seja, temos aqueles livros em que somos uma espécie de leitor omnipresente e omnisciente, em que conseguimos saber o que se está a passar com as personagens principais mas também as conspirações que se passam à sua volta, e acabamos, portanto, por ter uma ideia abrangente da trama. O único no meio disto tudo que não sabe o que se passa é, precisamente, a personagem central. No caso da Nave-Mundo, pelo contrário, não fazemos a mínima ideia do que se passa, e assim sendo, temos de partir do princípio que as crenças, por mais absurdas que nos possam parecer (os mutantes saídos das seivas das plantas, a tribo com poderes mágicos, mutantes) são reais porque, em bom rigor, não há absolutamente nada que nos indique o contrário. Ah, e porque sendo um livro de ficção científica, mutantes e criaturas saídas da seiva são coisas perfeitamente plausíveis.


A Nave-Mundo foi então um livro que me surpreendeu bastante, pela positiva, e que me manteve presa durante as suas 248 páginas. É um livro de bolso, portanto, relativamente pequeno, o que torna ainda mais incrível o modo como o autor conseguiu, em tão poucas páginas, criar uma história que surpreende do início ao fim. Não vos vou dizer que adivinhei o final, porque não adivinhei. Tive algumas suspeitas relativamente a um pequeno detalhe (um trocadilho que só quem já leu o livro vai perceber 😉) e fartei de gabar ao outro leitor cá de casa a minha grande perspicácia, sobretudo porque ele fez pouco de mim quando partilhei com ele essa minha suspeita. Mas quanto ao final, aquilo foi revelação, atrás de revelação e estava tudo muito longe daquilo que eu tinha imaginado.




Classificação UmBlogueSobreLivros:
★★★★☆


Poderão gostar de:
📖 O Silo - Hugh Howey
📖 Metro 2033- Dmitry Glukhovsky


Poderão querer explorar:
🔍 Site oficinal de Brian Aldiss
🔍 Biografia, bibliografia e prémios atribuídos a Brian Aldiss
🔍 Entrevista a Brian Aldiss | Youtube


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