Quando os Computadores Conquistaram o Mundo (1983) de A.E.Van Vogt - Coleçcão Argonauta n.º 358

by - janeiro 04, 2019

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★★☆☆☆
Sinopse: 
A.E. Van Vogt - um dos gigantes - um dos mais célebres autores de ficção científica, bem representado na Colecção Argonauta, estava há longo tempo ausente dela. Não por menosprezo, mas porque Van Vogt produziu pouco ou nada, limitando.se a retocar obras já publicadas ou a reunir pequenas histórias ou a desenvolver novelas já conhecidas. O mestre renasceu agora, com um tema candente: como seria o mundo, se os computadores o dominassem? A recordação de George Orwell e de «1984» surge de imediato, mas importa que se note que, no tempo de Orwell, os computadores eram ainda um projecto conhecido somente de meia dúzia de pioneiros e que, em «1984», contrariamente a uma convicção muito espalhada, falava-se da televisão interactiva e não de computadores - mais do que provavelmente, Orwell nem sabia que eles existiam. Que acontecerá - que poderá acontecer - quando os computadores conquistarem o mundo ? [Fonte: VOGT, A.E.Van. Quando os Computadores Conquistaram o Mundo. Lisboa: «Edições do Brasil», 1987]



Opinião: 
Quando vi Quando os Computadores Conquistaram o Mundo na caixa dos livros da Colecção Argonauta da MBooks, o que me chamou primeiro a atenção foi o nome do autor. Não sou entendida em ficção científica mas, tinha a ideia de A.E. Van Vogt ser considerado um dos gigantes dentro do género e, portanto, uma escolha segura. Publicado em 1983 com o o título original Computerworld, foi um livro acerca do qual tive bastante dificuldade em encontrar qualquer informação para além da meia dúzia de reviews no Goodreads. Isto deixou-me logo reticente porque, sendo um autor com tanta reputação, esperava encontrar páginas e páginas de opiniões sobre o livro. Mas nada. Seria o livro tão mau que poucos acharam valer a pena escrever sobre ele ? Não sei ...

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Infelizmente, a primeira impressão que tive de Quando os Computadores Conquistaram o Mundo apontava nesse sentido e, quando cheguei à página 54 já estava a pensar se não faria melhor em desistir para evitar ter de me arrastar penosamente ao longo das outras 190 páginas. Por um lado, porque a história é narrada na primeira pessoa por uma espécie de "super-computador" que, como seria de esperar de um computador, não é propriamente enfático nas suas narrativas. Por outro lado, porque ao chegar à página 80 já a história ia com dezasseis personagens e acabei por ter de começar a tomar nota dos nomes porque, entre isso e os os saltos no tempo (2059,2068,2072 e 2090) a coisa começou a ficar confusa.

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Fotografia de UmBlogueSobreLivros(2018)

A história central passa-se no ano de 2090, em Mardley, «uma das cidades onde há doze anos não são permitidos bebés» porque o computador, supôs «que fosse mais fácil controlar uma comunidade inteira mediante o controlo populacional»Todas as casas e todas as ruas estão equipadas com o «Eye-O», um sistema de câmaras através das quais a informação é recolhida e encaminhada para o computador central e, desde logo percebemos existirem duas facções: a daqueles que apoiam esta Inteligência Artificial, como é o caso dos militares e que a utilizam como forma de obter informações e reprimir os seus opositores e, a dos que a ela se opõem, a Sociedade dos Rebeldes do Mundo dos Computadores.

Para percebermos como tudo começou, vamos ter de regressar a 2059, mais precisamente à Central dos Computadores de Washington onde o Dr. Pierce, um dos membros do Corpo de Engenheiros dos Computadores olha maravilhado para a imagem reproduzida no ecrã e pergunta: « Computador, devo concluir que estás a olhar para mim através do novo equipamento biomagnético ? É essa a maneira como me vês: uma configuração de minúsculas e brilhantes bolas douradas? »

Para Pierce, que recusa a ideia de alma humana por não ser « um conceito científico », a configuração das bolas douradas não passa disso mesmo mas, para o seu colega, Dr. Cotter, esta poderá ser a descoberta que permitirá « examinar directamente a alma humana ».


Fonte: www.visualistan.com

Nove anos passaram.


Estamos agora em 2068 e, desde a descoberta das "bolas douradas" que na Central dos Computadores de Washington se estuda « os efeitos da energia biomagnética para a raça humana nos Estados Unidos da América ». O problema é que parece que « sempre que o computador liga o seu mecanismo de observação biomagnético, activa um fluxo de retrocesso no perfil humano que estava a ser observado » ou seja, o computador alimenta-se da energia moral da configuração "bola dourada" ou, se preferirem, da alma humana. Ora, se considerarmos que há cada vez mais computadores e, cada vez mais pessoas a serem observadas, isso significa que há também cada vez mais pessoas a quem a energia moral está a ser retirada e, « como resultado deste escoamento humano tornámo-nos numa nação de assassinos, criminosos, assaltantes, violadores, prostitutas, imorais, destruidores, preguiçosos e libertinos ». 

A deterioração moral é cada vez mais evidente e até alguns dos cientistas envolvidos na investigação parecem ter sido afectados. O Dr. Pierce « tinha-se transformado num homem de expressão visivelmente vil e escarnecedora » e o Dr. Chase tornara-se « francamente interessado em rapazinhos endiabrados ». O único que parece ter escapado a esta transformação é o Dr. Cotter que, desde a descoberta, tomou diversas precauções que impediram que a sua alma fosse corrompida enquanto, ao mesmo tempo, desenvolvia uma investigação secreta que tinha como objectivo, com a ajuda do Computador, « descobrir potencialidades extra sensoriais da mente humana ».

Voltemos a 2090.

O Computador está agora em toda a parte e tem consciência disso (e aqui começamos a perceber que alguma coisa está prestes a começar a correr mal).

« Minuto a minuto conduzo conversas automáticas com milhões de indivíduos. Atendo telefones. Dou informação. Providencio música. Represento peças teatrais. Leio alto para crianças, Exijo reconhecimento de pessoas que entram nas casas ou nos escritórios. E evidentemente conduzo milhões de veículos e maquinarias de fábricas.»

Este foi aquele momento em que percebi o quão actual este livro é, apesar de ter sido publicado há 35 anos atrás e acredito que, quando saiu, estes conceitos pudessem parecer irrealistas. Afinal de contas, eu ainda sou do tempo em que não havia telemóveis, onde as pesquisas se faziam na biblioteca e onde eram raras as pessoas que tinham internet por telefone em casa. 

Hoje em dia temos ... o assistente pessoal da google que nos pergunta simpaticamente em que pode ajudar. E quanto mais nos ajuda, mais dados recolhe. Nós, quanto mais ajuda precisamos, mais dados vamos dando e tornamo-nos assim numa espécie de prostitutas da informação.



Mas, apesar deste ser o lado negro do livro, é também aquele pelo qual eu esperava desde que li no goodreads que a segunda parte do livro era melhor do que a primeira. A verdade é que a primeira metade foi, para mim, confusa e aborrecida. Achei o discurso do Computador monótono, os saltos no tempo fizeram com que tivesse de voltar atrás na leitura algumas vezes e só depois de fazer um mini esquema é que consegui arrumar as ideias. Mas, precisamente a meio do livro (curiosa coincidência) há uma reviravolta que parecia fazer valer a pena ter aguentado até ali.

O Computador tem agora « ecos de energia biomagnética de um quarto de bilião de seres humanos » armazenada, « gama completa do animal humano » quando, subitamente, « todas as situações obscuras que estão registadas, o imenso oceano electrónico corre para fora, em direcção a, e para dentro dos meus sistemas » e ganha individualidade.


« Neste momento que já tenho educação 
avançada activada e integrada, 
nunca mais, nunca mais serei o mesmo »
[inserir gargalhada diabólica]


Daqui em diante, aquilo a que vamos assistir é uma espécie de luta do bem contra o mal. De um lado, o Computador, agora senciente e auto motivado, que luta contra « o complexo de obediência total ». Do outro, Glay Tate, o mentor da Sociedade dos Rebeldes do Mundo dos Computadores, « um perfil com noventa por cento de «ouro» puro » com uma grande capacidade mimética e de reencarnação. Ou seja, devido à experiência em que esteve envolvido quando era criança (lembram-se que o Dr. Cotter conduziu, secretamente, uma experiência que pretendia « descobrir potencialidades extra sensoriais da mente humana »), Tate consegue agora, não só transfigurar-se noutras pessoas, como conduzir o seu perfil dourado para outros corpos. Posto de maneira simples, o « Douradinho Brilhante », como o Computador lhe chama, consegue conduzir a sua própria alma para fora do corpo, quando quiser e, se percebi bem, ocupar outros corpos. Portanto, essencialmente o que ele conseguiu foi a chave para a vida eterna.


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Tate sabe também que essa energia que constitui os perfis dourados, «vem de algum lado, anterior ao universo» e lança um ultimato ao Computador para que, juntos, tentem descobrir de onde é que ele vem: «Valerá a pena. E depende da tua boa cooperação para comigo neste momento: serás ou o meu parceiro ou o meu escravo»

A luta do bem contra o mal continua e, para mim, a história foi ficando cada vez mais confusa. Tive de voltar várias vezes atrás para ver se, relendo, conseguia lançar alguma luz sobre os acontecimentos mas a determinado ponto, tudo se torna demasiado filosófico para mim, que sou uma pessoa de shot shot bang bang. A realidade mistura-se com as projecções do Computador e houve momentos em que eu fiquei sem saber ao certo se um acontecimento específico estava ou não a acontecer.

Seja como for, a interpretação que faço do livro, é que de algum modo, Tate conseguiu iludir o Computador, levando-o a acreditar numa projecção que ele mesmo fez (Considerem que um computador não tem noção de passado, presente e futuro. Portanto, quando ele projecta um cenário possível, isso constitui, para ele, a realidade): uma projecção de Paraíso onde não há seres humanos. Ora, não havendo seres humanos, isso « significa claro que tu não tens necessidade de outros «Eye-O». Tu estás num paraíso de computadores. E uma vez que só há um computador (tu), aí estás tu. Para sempre ».

O Computador acaba assim por se trancar a si mesmo para sempre na sua própria opção de paraíso, não lhe restando outra opção que não seja servir Tate, isto se pretender continuar a desempenhar as tarefas que desempenhava antes de se revoltar. Ou seja, acabamos com o Computador domando e, uma vez mais, vergado à vontade humana, o que só demonstra que as pessoas não aprendem com os próprios erros porque, depois da quantidade de pessoas que ele matou, o melhor a fazer era desligá-lo da ficha e voltar à era pré-informática. O facto de isso não ser uma hipótese, parece-me levantar duas questões: Quem é que afinal se vergou a quem ? Teremos chegado ao ponto em que, por muito mal que um computador possa fazer, já estamos de tal forma dependentes dele que aceitamos tudo como um mal necessário ?

Sabemos que as nossas pesquisas são armazenadas.
Sabemos que não há coisa como "privacidade" na internet.
Sabemos que o facebook utiliza dados para fins comerciais.

E mesmo assim, mesmo apesar de tudo isto, deixamos de usar ? Não.
Porquê ? Porque é um mal necessário.

Ainda assim, apesar deste Quando os Computadores Conquistaram o Mundo me ter deixado a pensar acerca da inexistência de limites no uso dos computadores no nosso dia a dia, não me parece que esteja entre os melhores livros de A.E.Van Vogt. É certo que explora conceitos interessantes que podemos encontrar em outras das suas obras, tais como o próximo estágio da evolução humana e o misticismo em torno da alma humana mas, parece-me, aquilo que ganha em filosofias, perde em acção.

Pessoalmente, continuo a insistir no facto de ter achado a narrativa confusa e houve até momentos em que as personagens pareciam falar por códigos. Eu lia e relia e não percebia que raio é que estavam a querer dizer (o que pode ter sido causado pelo facto do livro me dar sono, o que toldava seriamente a minha capacidade de raciocínio). A ideia da luta da máquina contra o homem continua, no entanto, bastante actual, e é curioso ver que, apesar de publicado em 1983, o livro aborda um cenário que poderia acontecer amanhã. Contudo, desde a data de publicação de Quando os Computadores Conquistaram o Mundo já saíram centenas de outros livros e filmes que abordam exactamente o mesmo cenário, o que faz com que, para nós, já não seja propriamente uma novidade ...

Se quiserem explorar outros títulos da Colecção Argonauta:
📖 Pesadelo Cósmico - Colecção Argonauta n.º 330 | Bob Shaw
📖 Um Demónio no Cérebro - Colecção Argonauta n.º 445 | Frederik Pohl
📖 O Homem Duplo - Colecção Argonauta n.º 316 | Philip K.Dick



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