Amatka (2012) de Karin Tidbeck

by - janeiro 25, 2019

Amatka-Karin-Tidbeck    Amatka-Karin-Tidbeck
★★★☆☆

Sinopse: 
Vanja é uma trabalhadora ao serviço do Estado. Como todas as outras pessoas. Porque o Estado somos nós. A comuna somos nós. O comité somos nós. Todas as regras, todas as imposições, todas as ordens e toda a burocracia são necessárias para garantir que o mundo não se desfaça.

O mundo corre o risco de se desfazer. Se não marcarmos cuidadosamente os nossos pertences, se cada objecto não estiver etiquetado e for lembrado regularmente do que é e do que pode ser, vai acabar por se desfazer numa espécie de lodo viscoso. E, portanto, o bom comportamento é fundamental. O método também. A desobediência pode significar o fim.

Mas Vanja precisa de mais. Precisa de conhecer, precisa de entender. Precisa de saber porque é que as suas palavras são capazes de tanto, e, no entanto, utilizadas para tão pouco. [Fonte: TIDBECK, Karin. Amatka. Lisboa: TopSeller, 2018.]



Opinião: 
Amatka começou por ser um daqueles livros que me prendeu logo do início. Não sendo particularmente grande (apenas 254 páginas) li-o em dois dias, nos intervalos do almoço, e durante a viagem de autocarro casa-trabalho, trabalho-casa. Cheguei ao cúmulo de acordar mais cedo no dia de folga e a primeira coisa que fiz foi esticar o braço para apanhar o livro que estava na mesa de cabeceira e acabar o último capítulo.

E foi então que tudo se desmoronou.

Aquilo que começou por ser um livro com imenso potencial e que me deixou realmente curiosa acerca do que se estaria a passar, acabou por terminar de uma forma que me deixou sem perceber se haveria ali algum significado metafórico que me tenha passado completamente ao lado. Provavelmente foi isso... Mas se passou, passou mesmo muito ao lado porque continuo sem conseguir perceber a ideia.


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Amatka é uma das quatro colónias que constituem o Novo-Mundo. Também chamada de Colónia IV, é o centro agrícola, onde se cultivam cogumelos de muitas variedades e que, « dependendo da espécie, podem ser usados para tudo, desde papel a comida » (pg.45).  É aqui que a nossa personagem principal, Vanja Essre II de Brilars, vai chegar, vinda da Colónia I, o centro administrativo de todas as colónias, com a missão de « descobrir que tipo de produtos higiénicos as pessoas daqui usam » (pg.15). 

Dado que Amatka recebia pouquíssimos visitantes, a cidade decidiu fazer uma lotaria solidária, para determinar quem teria o privilégio de receber esta hóspede a troco de algum tempo de folga. Vanja acaba assim hospedada numa residência ocupada por três pessoas: Nina, que trabalha como médica na clínica de Amatka; Ivar IV de Jonidis, técnico de agricultura nos espaços de cultivo de cogumelos, e Ulla III de Sarols, uma médica reformada. Nina e Ivar têm duas filhas, Tora e Ida mas, como o comité considerava que « não era saudável que pais e filhos fossem demasiado chegados » (pg.74), as crianças viviam na Casa Infantil IV, visitando a casa dos pais apenas ao fim de semana, a fim de confraternizar e « satisfazer as necessidades emocionais que infelizmente ainda assolavam muitas pessoas » (pg.74)


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Portanto, já deu para perceber que Amatka não é, propriamente, uma cidade muito normal ... 

As pessoas são obrigadas a partilhar casas.
Existe um comité que toma as decisões que afectam todas as colónias.
Os empregos são atribuídos às pessoas sem que estas tenham hipótese de escolha.
Os residentes são aconselhados a não sair dos limites da cidade.
Existe um dia e local determinado para as pessoas confraternizarem.
As crianças são criadas em casas de acolhimento, só indo a casa ao fim de semana.
A partir de uma determinada idade as mulheres são obrigadas a engravidar.

Ainda assim, isto nem é o mais estranho. 
Embora, sem dúvida, contribua fortemente para dar um ambiente opressivo ... 

O mais estranho de tudo é que as coisas se desfazem. 
Literalmente. 
Ora, isto leva a que os residentes das colónias tenham de estar, constantemente, a repetir o nome das coisas. Por exemplo, levantam-se de manhã e à medida que vão vestindo as diferentes peças de roupa, têm de ir repetindo o nome « meia, meia, calças, calças, camisola, camisola » e por aí fora. Se não o fizerem, fica tudo transformado numa poça de gosma esbranquiçada.

Claro que, como imaginam, numa cidade onde tudo -  e quanto digo tudo, refiro-me a tudo mesmo, desde as paredes das casas às colheres - tem de ser constantemente relembrado da forma que deve ter, já dá para ter uma ideia do que aconteceria se alguém deixasse de o fazer ... ou se alguém se lembrasse de chamar colher a um lápis.


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Seja como for, poucos são aqueles que arriscam ir contra as normas da colónia porque, apesar de não haver pena de morte, a colónia tem forma de impedir os dissidentes de colocar a comunidade em perigo, sendo a solução encontrada bastante elegante: destruir o centro da fala do cérebro. Se não puderes falar, mal não podes fazer, certo ?


* * * A L E R T A   D E   S P O I L E R S  * * *

Mas, tal como acontece na maior parte das distopias, desde cedo nos apercebemos que nem toda a gente está de acordo com as normas da colónia e se questionam sobre se aquela será a única forma de vida possível.

Quando começamos a ter esta percepção, a história começa a ficar interessante porque é óbvio que há um elefante na sala. Isto é, uma espécie de segredo sobre qualquer coisa que aconteceu, mas em que toda a gente prefere fazer de conta não saber se nada. Uns por medo de serem denunciados e sujeitos à solução elegante à qual os dissidentes são condenados, outros porque simplesmente estão do lado da comuna e defendem ferozmente os seus valores.

A primeira pessoa que nos transmite a tal sensação de que as coisas talvez não sejam bem aquilo que parecem, é a médica reformada, Ulla, uma das pessoas que mora na residência onde Vanja ficou alojada durante a sua estadia em Amatka. Ulla é uma personagem bastante misteriosa e, desde que ela apareceu que fiquei com ideia que escondia alguma coisa, sobretudo porque parecia tirar um especial prazer em provocar Vanja, e levá-la a questionar coisas que, segundo o comité, deveriam ser inquestionáveis.


« - Como era ?
- Como era o quê ?
- A mala, depois de se dissolver. Como era ?
Vanja encolheu os ombros.
- Não era nada de especial. Só...lodo.
- Pensava que eras investigadora.
- O que quer dizer ?
- Esperava alguma curiosidade - disse Ulla. - Um bom investigador é curioso acerca de tudo. Mesmo daquilo que se considera aterrorizador.» (pg.86)

Infelizmente, fiquei com a impressão que o único papel de Ulla na história era precisamente espicaçar o leitor porque no final, acabou por não ter nenhum papel especialmente relevante. Aliás, se neste momento me perguntarem o que lhe aconteceu (e acho que se passaram apenas dois dias desde que terminei de ler Amatka), já nem me lembro.

Outra das personagens que também parece estar envolta numa aura de mistério, é Evgen de Samins, o bibliotecário. Curiosamente, e apesar de não ser a personagem central, acabou por ser a minha favorita. Evgen é aquele tipo que percebemos logo que sabe mais do que aquilo que aparenta, mas que ao mesmo tempo tem medo de revelar o que sabe por recear as consequências que daí poderiam advir. Ainda assim, em determinamos momentos do livro, revela bastante coragem, embora o medo esteja sempre presente. Pessoalmente, achei que esta foi a personagem que melhor transmitiu o contraste entre o desejo de saber mais e o medo das represálias a que poderia ser sujeito caso fosse descoberto. Será também através de Samins que vamos conhecer um pouco mais acerca da história da cidade visto que, sendo ele o bibliotecário, é a única pessoa de Amatka com acesso a documentos exclusivos que, de certa forma, acabam por revelar que há muitas coisas que são mantidas fora do olhar dos residentes. 


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« - Então e a Vanja ? » - Perguntam vocês. - « Afinal de contas é a personagem principal! »

Bem... É uma tipa curiosa. 
Realmente em relação a isso ninguém pode dizer o contrário mas, não sei... houve ali qualquer coisa que fez com que eu não criasse grande empatia com ela. Creio que, sobretudo, porque parece não haver um propósito nas coisas que vai fazendo ao longo do livro. Houve ali momentos de grande antecipação, em que fiquei realmente curiosa acerca do que iria acontecer e depois não acontece nada. Absolutamente nada. É suposto a ideia ficar no ar ? Eu percebo que há livros com finais abertos, em que ficamos a pensar nas suas múltiplas possibilidades e interpretações mas em Amatka, há demasiadas aberturas... e durante todo o livro, o que acaba por tornar as acções de Vanja um pouco incoerentes ou, pelo menos, sem um propósito.

Basicamente, ela obtém informações preciosas, que poderiam abalar toda a estrutura da comuna e não faz absolutamente nada com elas! De certa forma fez-me lembrar o Aniquilação do qual não gostei também porque as personagens pareciam alheadas da realidade, como acontece quando uma entra num túnel, onde encontra a amiga com o maxilar arrancado e olha para aquilo como se estivesse a ver uma moeda de um cêntimo no chão! Dá vontade de a esbofetear! 

- Hellooooo! A tua amiga tem a porra do maxilar ARRANCADO! Não queres saber o que aconteceu ? Quem fez isto ? Porquê ? 
- Nem por isso... estou atrasada para ir ali para a tenda escrever coisas maldosas acerca das outras.



Bem, mas adiante.

Há uma relação homossexual pelo meio, entre a Vanja e a Nina, uma das moradoras da residência. Não percebi se a ideia era chocar as pessoas mas, se foi, não resultou. Pessoalmente, não achei que a relação fizesse sentido naquele contexto, nem na forma como as personagens se relacionavam. É certo que o livro é de uma autora sueca, e que os suecos têm uma forma diferente de se relacionar. Não sou especialista em cultura sueca mas, pelo que tenho lido ao longo dos anos, apercebi-me que que as relações descritas nos livros são, normalmente, bastante descomplicadas e despudoradas. Portanto, no contexto sueco, talvez esta relação faça sentido... Pessoalmente achei estranho esta passagem de completas desconhecidas para uma relação de casal. Sim, eu sei que é assim que as relações acontecem mas a questão aqui é que não há nada pelo meio, percebem ? Num momento a Nina está a ir buscar a Vanja ao terminal ferroviário, no momento a seguir está a gritar com ela porque saiu de casa sem lhe dizer nada, o que a deixou bastante preocupada.

E aquele final ... O que dizer daquele final ? Não gostei. 
Se são frequentadores habituais aqui do blogue, já sabem que gosto de finais abertos. Adoro ficar a pensar no que terá acontecido depois, como aconteceu por exemplo com O Homem Duplo ou com a Nave-Mundo. Mas em Amatka ... fiquei com a impressão que a ideia era essa mas, tal como a relação de Vanja com Nina, também não resultou muito bem. Basicamente, ficamos a saber que Anna de Berols, uma poetisa que abandonara a cidade juntamente com outros residentes para fundar a sua própria comuna - a versão oficial foi que tinham todos morrido num incêndio acidental - foi bem sucedida na sua missão. Ela regressa agora a Amatka, para libertar os residentes do jugo da cidade e do comité mas, basicamente o que ela faz é: ou estão comigo ou contra mim. Posto assim, não me parece que haja grande diferença entre a cidade que fundou e Amatka dado que, tanto numa como noutra, o princípio governativo é o mesmo: ou fazem como mandamos ou morrem.

Teria ficado surpreendida com um final em que ...

... se descobrisse que as pessoas também eram feitas de lodo e que era por isso que eram obrigados a viver em residências partilhadas, de modo a garantir que havia sempre alguém a dizer o nome delas para que não se desfizessem.

... se descobrisse que os canos que existiam por baixo da cidade eram na verdade usados para chegar ao Velho Mundo. Ou seja, Amatka estava numa espécie de posição invertida, numa bolha no subsolo, e os túneis eram usados como via de acesso do Velho Mundo (o nosso) a Amatka.



* * * F I M  D E  S P O I L E R S * * * 



Concluindo, Amatka é um livro que se lê bastante bem e, apesar das incoerências, consegue manter o leitor interessado. No entanto, não foi um livro que me tenha surpreendido. Como já aconteceu várias vezes (mas parece que não aprendo), deixei-me levar pela publicidade na capa que diz « Para leitores de Margaret Atwood e Ursula K.Le Guin ». Ainda não tive oportunidade de ler nada da Le Guin mas, já li quatro da Atwood (A História de uma Serva, O Ano do Dilúvio, O Coração é o Último a Morrer e Chamavam-lhe Gracee não encontrei nenhuma semelhança... Mas se alguém souber onde é que ela está, adorava que partilhassem. Não sou nenhum oráculo e, como tal, não coloco de parte que alguma coisa me tenha passado ao lado. 

Depois, claro, a eterna comparação que surge sempre que o tema são distopias: o «1984» de George Orwell. A única semelhança que encontrei, e ainda assim muito ténue, é o ambiente opressivo. Se bem que o «1984» é muito mais negro, muito mais opressivo e muito mais assustador. Seja como for, parece que actualmente todas as distopias são comparadas ao livro do Orwell e eu continuo sempre a ser apanhada com esse engodo.



Assim sendo, o que vos posso dizer ?

Se procuram uma distopia ligeira (vá... uma distopia grau 2 numa escala de 0 a 5), esta será uma boa aposta mas, não podem entrar em grandes reflexões. Têm de ir lendo e deixando as coisas correr. Porque, de forem como eu, e começarem a pensar demasiado, vão acabar irritados com as tais incongruências que referi acima.


E vocês, já leram Amatka ?
Adorava saber o que acharam! Contem-me tudo nos comentários.




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