A Hora da Inteligência (1954) de Poul Anderson - Colecção Argonauta n.º 364

by - janeiro 11, 2019

Brain Wave - Poul AndersonBrain Wave - Poul Anderson
★★★☆☆
Sinopse: 
Sabe-se que nem toda a capacidade do cérebro é utilizada, mesmo pelos mais inteligentes dos homens. Provavelmente, o mesmo acontece com os animais. Suponha-se que isso era consequência do facto de a Terra estar no interior de um campo de forças que retardava a propagação da luz e, do mesmo modo, afectava os processos electromagnéticos e electroquímicos. Suponha-se também que um dia a Terra saía desse campo de forças e que, de um momento para o outro, a inteligência de todos os homens e de todos os animais... triplicava! Seria isso um benefício? Aparentemente, sim. Mas a inteligência não daria sentimentos humanos aos animais. E nem todos os homens se tonariam igualmente inteligentes. Seriam mais inteligentes. Uns mais, muito mais do que outros - a uma distância nunca vista. Acima de tudo, no dia em que a superinteligência humana permitisse encontrar soluções para todos os problemas, em que ocupariam os homens o seu tempo ? [Fonte:ANDERSON, Poul. A Hora da Inteligência. Lisboa: «Livros do Brasil»,1987.]




Opinião: 
O livro de hoje, A Hora da Inteligência, é mais um dos títulos que compõem a mítica Colecção Argonauta. Para aqueles que não conhecem, trata-se de uma colecção de livros de bolso de ficção científica, publicados mensal e ininterruptamente entre 1953 e 2006, e composta por 564 números! Se tiverem curiosidade em explorar um pouco mais, sugiro uma visita ao blogue do João Vagos [colecçãoargonauta.blogspot], um espaço que pretende ser « um memorial que esperamos possa contribuir para esclarecer possíveis dúvidas relativas aos números publicados, bem como constituir um espaço de partilha ».

Por aqui, por causa da dita colecção, continua a minha demanda pela ficção científica. A Hora da Inteligência é o sétimo livro que leio, ficando então só a faltar os outros 557 livros. Portanto, se conseguir ler 4 livros por semana, isso dá 48 livros por ano. Se num ano conseguir ler 48, preciso de... ora deixa cá ver... 11,6041666667 anos para ler os 557. Ou seja, lá para os 50 anos devo estar despachada. Ou morta. 


A premissa do livro é bastante interessante: o que é que aconteceria se, de um momento para o outro, a inteligência de todos os seres humanos aumentasse abruptamente ? E quando digo abruptamente, falo de qualquer coisa como um Q.I. de 400. Para terem uma ideia, o de Einstein era de 186...

Se calhar viveríamos felizes para sempre porque, de certeza que uma inteligência tão extraordinária permitiria encontrar soluções para muitos dos problemas actuais mas, a realidade é que « noventa por cento da raça humana, não interessa se são espertos ou não, fazem sempre aquilo que acham conveniente e não o que acham mais sensato » (p.47).

Por outro lado, os seres humanos não seriam os únicos afectados e, na prática, todas as criaturas dotadas de cérebro veriam a sua inteligência aumentar consideravelmente. Convém no entanto deixar claro que não estamos a falar de ter, por exemplo, chimpanzés a elaborar cálculos matemáticos complexos. A inteligência aumenta, é certo, mas permanece inferior à do ser humano. O que sucede é que alguns animais desenvolvem, digamos, uma capacidade para compreender o meio onde se encontram e, alguns deles, chegam mesmo a desenvolver formas rudimentares de linguagem que lhes permite, de certa forma, comunicar com seres humanos. Neste contexto, convém questionar: « se ficassem realmente espertos, será que permitiriam que os humanos os fechassem, os pusessem a trabalhar, os castrassem e os matassem para aproveitar a carne, a pele e os ossos ? » (p.38). Provavelmente não e isso ia ser um triste dia para a Humanidade porque deixaríamos de ter queijo e chouriças. 

De certa forma, esta ideia do animal-inteligente, fez-me lembrar do Animal Farm, um livro de George Orwell, que fala da revolta dos animais de uma quinta que, fartos de trabalhar para servir os humanos, decidem tomar as rédeas da situação mas, citando Lord Acton, "power currupts; absolute power corrupts absolutely" e a revolta acaba por não ter um final feliz.

george orwellgeorge orwell

No caso de A Hora da Inteligência porém, nem animais nem pessoas parecem sair particularmente beneficiados desta inteligência recém adquirida. Pelo menos não a curto prazo. Mas afinal, porque é que isto está a acontecer ? Uma das personagens centrais do livro, Peter Corinth, um físico que trabalha no Instituto Rossman desenvolve, em parceria com os colegas, uma teoria: o sistema solar, na sua órbita em redor da galáxia, terá entrado há muitos milhões de anos atrás, por volta do período Cretáceo, num campo de forças « que faz abrandar a luz e como tal afectava os processos electromagnéticos e electroquímicos » (p.53). Ora, o que sucedeu foi que, em determinado momento, e sem que nada o previsse, « desapareceu a força restritiva a que todos os organismos estavam ajustados » (p.78) e « o efeito generalizado da saída da terra do campo inibidor foi, é óbvio, uma súbita ampliação da inteligência de todas as formas de vida dotadas de cérebro » (p.78). O resultado foi que os impulsos eléctricos que representam o funcionamento neuronal passaram a processar-se com maior velocidade e intensidade, assim como « a prontidão dos sentidos, as reacções motoras, o próprio pensamento » (p.29).

brain wave - poul andersonbrain wave - poul anderson

Ora isto significa que... bem, diria que na verdade não ficámos mais inteligentes do que aquilo que seria suposto. Reparem que, se nunca tivéssemos entrado no tal campo de forças, os processos electromagnéticos e electroquímicos nunca teriam sofrido o tal desaceleramento. Portanto, ao desaparecer a tal « força restritiva a que todos os organismos estavam ajustados » (p.78) o que aconteceu foi que recuperámos a nossa inteligência original, pelo que « o homem moderno não é essencialmente diferente dos primeiros Homo sapiens » (p.177).

Não é diferentes dos primeiros mas, é bastante diferente daqueles que se lhe seguiram. Ao longo do tempo, habituámo-nos ao grau de inteligência que actualmente consideramos como normal e a espécie humana continuou a evoluir. Fomos à lua (isto caso não sejam daqueles que defendem que aquilo foi tudo encenado), criámos vacinas e, de quando em quando, lá surge uma espantosa descoberta que vem revolucionar qualquer coisa. Mas, o que aconteceria se, de súbito, deixasse de haver barreiras ? Se conseguíssemos fazer cálculos mais eficazmente do que um computador, se todas as descobertas fossem subitamente possíveis porque a nossa mente estava finalmente preparada para isso e muito mais ?

« (...) peguemos num ser humano típico, num operário ou num empregado de escritório, a mente estupidificada por um conjunto de reflexos verbais e o futuro condicionado a um vegetar que pouco mais lhe oferece além da possibilidade de encher a barriga e de se ver anestesiado por um filme ou pela televisão (...). De repente, quase de um dia para o outro, a inteligência humana explodira até alturas fantásticas. Um cosmos inteiramente novo abriu-se perante esse homem, com visões, perspectivas e pensamentos que até então lhe estavam vedados » (p.73)


brain wave poul andersonbrain wave poul andersonbrain wave poul anderson

O que acontece é o caos! Bom, em certa parte ...

Primeiro as pessoas começam por se despedir dos empregos porque « acham o trabalho demasiado monótono » (p.52). E quem é que os pode julgar? Muitos de nós temos empregos monótonos e pouco estimulantes ... Ainda assim, este foi um ponto que achei um pouco exagerado porque ao despedirem-se, que tipo de rendimento vão ter ? Se a inteligência subiu, deviam ter feito o raciocínio que sem trabalho não há ordenado, sem ordenado não há comida nem casa e, pelo que sei, andar a filosofar para multidões na rua não é propriamente uma actividade bem remunerada.

Nas cidades, « a água, o gás e a electricidade estavam sujeitos a severo racionamento » (p.71). « Os alimentos ainda chegavam das zonas agrícolas, mas para se conseguir qualquer coisa, havia que pagá-las a preços exorbitantes » (p.71), e portanto a maior parte dos habitantes da cidade decidiram abandoná-la, ficando apenas cerca de três quartos da população inicial. Isto tudo porque o fornecimento de qualquer um destes bens implica, lá está, um trabalho monótono e, como ninguém os queria fazer, não havia mão de obra e os bens e serviços começaram a escassear.

As regras e restrições deixaram de fazer sentido porque « inúmeras pessoas - demasiadas até - tinham subitamente descoberto que as leias eram efectivamente arbitrárias, sem qualquer significado intrínseco, pelo que não haviam hesitado em violar todas aquelas com que não concordavam » (p.74), nomeadamente a regra de não se poder andar nu na rua.

E claro, não podia faltar a religião, e assistimos ao nascimento de novas religiões do Terceiro Ba'al que, surgindo do nada, « oferece um anódino às populações assustadas e confusas: diz-lhes que a atitude correcta é a de deitar fora o terrível fardo do pensamento e esquecerem-se de si próprios no meio de uma orgia emocional » (p.88).

brain-wave-poul-anderson

Assim, ao longo de todo o livro, é notório um contraste entre « os afortunados... os com força de vontade, os resolutos, aqueles cujos interesses foram, por escolha ou por necessidade, dirigidos para o exterior » (p.158) e os menos afortunados, que foram atirados « para uma neurose que, em inúmeros casos, acabou por se transformar numa neurose profunda » (p.158).

Do lado dos afortunados, temos sobretudo os cientistas do Instituto Rossman que, dotados de uma inteligência que derruba todas as barreiras, se lançam na missão de trazer uma ordem a este novo mundo, ao mesmo tempo que decidem enveredar em projectos até então impossíveis, como a exploração espacial com o intuito de descobrir de existem outras espécies. 

Do lado dos menos afortunados, as pessoas que não conseguiram lidar com este novo nível de inteligência, como a esposa de Peter Corinth, que sendo mais voltados para a introspecção, não conseguiram suportar o fardo de agora terem noção da fragilidade e finitude humana.


« O problema com vocês todos, de uma maneira ou de outra, é que têm medo de enfrentar a vida. Em lugar de tentarem moldar o futuro, têm vindo a sonhar com um passado que já está um milhão de anos atrás » (p.220)

A meu ver, e creio não estar muito errada ao dizer isto, a maioria das pessoas que habitam o planeta Terra não são particularmente inteligentes. Não estou com isto a dizer que somos todos estúpidos. Digo que estamos na média. Sim, há casos de pessoas que se evidenciam, que fazem grandes descobertas na ciência, medicina, engenharia e por aí fora mas, a maioria de nós está na média. Portanto, aplicando isto ao cenário de A Hora da Inteligência, acho que a maioria da população estaria saudosa dos bons velhos tempos porque, mesmo que agora compreendam coisas que até então não compreendiam, continua a faltar-lhes os conhecimentos técnicos para pôr as coisas em prática. De que é que me serviria compreender o funcionamento de um motor automóvel se depois não soubesse onde comprar os componentes para fabricar um e não tivesse as competências técnicas para o trabalho braçal necessário ? 

Percebem onde quero chegar ? 

Por isso, acredito que a maioria das pessoas deveria andar frustradíssima. Excepto... os atrasados mentais (sim, é uma palavra tabu que não se pode dizer porque fere a susceptibilidade mas, é o termo utilizado pelo autor e, como tal, vou manter). Reparem que, antes da saída do campo de forças, estas pessoas tinham um funcionamento cognitivo abaixo da média. Mas, quando a terra sai do campo inibidor e ocorre a « súbita ampliação da inteligência de todas as formas de vida dotadas de cérebro » (p.78), o seu funcionamento cognitivo passa a estar ao nível do nosso funcionamento actual. Para aqueles que agora têm uma super-inteligência, continuam a ser considerados como atrasados mentais, mas na prática, parecem ser os únicos que são verdadeiramente capazes de se adaptar a esta nova realidade.

Conclusões: achei o livro extremamente parado. Aborrecido, até. Durante grande parte, estive à espera de alguma reviravolta, alguma grande revelação que me surpreendesse mas... no pasa nada. As personagens são sensaboronas, desinteressantes e não sei o que me chateou mais, se a depressão profunda da Sheila ao descobrir que a vida acaba e outros "mistérios" do Universo, ou a hiperactividade do Peter que parece tornar-e numa espécie de super computador humano. A Hora da Inteligência foi um livro que, pela premissa e pelas páginas iniciais me suscitou realmente curiosidade, mas essa curiosidade foi esmorecendo à medida que avançava na leitura ...



Diria que a única parte relativamente interessante foi mesmo o final, quando os cientistas decidem que os mais evoluídos vão partir para explorar o universo e deixam a Terra entregue às colónias de "atrasados mentais", que ajudaram a formar e a quem deram ferramentas necessárias para que possam continuar a evoluir. Isto fez-me lembrar aqueles documentários que passam no canal História sobre os alienígenas, em que uns quantos investigadores defendem que há muitos anos atrás fomos visitados por seres vindos de outros planetas, e que foi graças à partilha dos seus conhecimentos que se conseguiu levar a cabo construções como as pirâmides de Gizé ou as linhas de Nazca.

Ou seja, vendo este final numa perspectiva futura, provavelmente daqui a muitos milhares de anos, a história de que a terra um dia saiu de um campo inibidor que provocou a « súbita ampliação da inteligência de todas as formas de vida dotadas de cérebro » (p.78) fará parte de uma espécie de mitologia. A vida seguirá o seu rumo e ninguém acreditará que as grandes construções têm origem nessa época, que determinados conhecimentos provêm daí e que o aspecto humanóide dos seres retratados se deve ao facto de serem, na verdade, humanos.


E quem é que nos pode garantir que nós não fazemos actualmente parte desse futuro ?


Caso queiram explorar outros títulos da Colecção Argonauta:
Segue o blogue nas Redes Sociais!
um blogue sobre livrosum blogue sobre livros




wook é uma oferta?

Acho que poderás gostar de...

0 comments