As Primeiras Quinze Vidas de Harry August (2014) de Claire North
★★★★★
Sinopse:
Harry August não é um homem normal. Porque os homens normais, quando a morte chega, não regressam novamente ao dia em que nasceram, para voltarem a viver a mesma vida - mas mantendo todo o conhecimento das vidas anteriores. Não interessa que feitos alcança, decisões toma ou erros comete. Harry já sabe que quando morrer, irá tudo voltar ao início. Qual a origem do seu dom e será que há mais pessoas como ele ?
A resposta para ambas as perguntas parece chegar aquando da sua décima primeira morte, com a visita de uma menina que lhe traz uma mensagem: o fim de mundo aproxima-se.
Esta é a história do que Harry faz a seguir, do que fez anteriormente, e ainda como tenta salvar um passado que não consegue mudar e um futuro que não pode deixar que aconteça. [Fonte: NORTH, Claire. As Primeiras Quinze Vidas de Harry August. Lisboa: Saída de Emergência, 2016]
Opinião:
Já me fazia falta encontrar um livro decente! Digamos que as minhas escolhas literárias de 2019 não têm corrido lá muito bem, e até agora o único que valeu realmente a leitura foi A Caminhada! Depois disso, foram só coisinhas medíocres que quase me matavam de tédio.
Até que ...
Encontrei As Primeiras Quinze Vidas de Harry August à venda no olx por um preço bastante acessível e lá fui eu toda feliz e contente ter com a vendedora à estação de Entrecampos. Desde então devo ser a passageira mais alheada da realidade a bordo dos autocarros da Carris.
As Primeiras Quinze Vidas de Harry August têm tudo aquilo que eu gosto num livro! Personagens com as quais consegui criar logo uma forte empatia, um aspecto que para mim é muito importante; uma escrita que até dá prazer ler, ao ponto de ter anotado determinadas frases para mais tarde usar numa tirada pseudo-intelectual e dar ares de tipa inteligente; um enredo bastante interessante e igualmente complexo que me manteve na expectativa do início ao final do livro; o conceito de multiverso; uma ideia de viagem no tempo com o qual nunca me tinha cruzado ...
Harry August é um kalachakra ou ouroboriano, um homem com o dom - ou maldição - de renascer vezes sem conta, sempre no mesmo dia, lugar e circunstâncias e, no seu caso, mantendo intactas todas as memórias das vidas anteriores.
Só pelo conceito em si, já vale a pena ler o livro.
Já li acerca de indivíduos que viajam para um universo paralelo, onde uma outra versão deles fez escolhas diferentes na vida. Um bom exemplo disso, é o Dark Matter de Blake Crouch, cuja review podem ler no blogue.
Também já li acerca de indivíduos que viajam no tempo, mas sem a parte de se cruzarem com outras versões deles. Afinal de contas, se eu viajar para o futuro, simplesmente deixo de estar em 2019 para estar em 3000. Mas continuo a ser uma só pessoa.
O que me surpreendeu em As Primeiras Quinze Vidas de Harry August foi a forma como a autora consegue uma simbiose genial destes dois conceitos. Acaba por não ser bem uma viagem no tempo, mas também não é bem um universo paralelo ...
Os kalachakras recorrem a este método como forma de transmitir mensagens do futuro para um passado distante. Basta que procurem um da mesma espécie que esteja prestes a abandonar a vida e lhe transmitam a mensagem. Este, por sua vez, fará o mesmo, e assim sucessivamente. Desta forma, conseguem - ainda que de forma indirecta - fazer com que determinado recado passe para muitas gerações anteriores, prevenindo-os e, de certa forma, incentivando-os a agir.
Mas, da mesma forma que há ouroborianos que consideram imperativo agir para mudar o curso dos acontecimentos, grande parte dos membros do Clube Cronos, um clube criado e constituído apenas por kalachakras, « interessa-se apenas pela incessante repetição do presente », defendendo que não se deve intervir sob quaisquer circunstâncias. Afinal de contas, haja ou não interferências, acabe ou não o mundo, a verdade é que quando renascerem, tudo será igual ao que foi e, se em algum momento se virem no meio de uma guerra ou numa situação demasiado difícil de suportar, basta-lhes porem termo à própria vida e começarem de novo.
Espectacular!
Confesso que isto me deixou a pensar...
Já imaginaram o que seria poderem viver várias vidas tendo convosco os conhecimentos adquiridos ? E não falo apenas dos conhecimentos corriqueiros do dia a dia, mas sim à escala mundial! Ao nascerem novamente, vocês saberiam o que iria acontecer no futuro, porque já fizeram parte desse mesmo futuro. Saberiam de antemão dos desastres naturais, dos avanços tecnológicos e na medicina, das oscilações da economia, das mudanças políticas... Saberiam mais sobre as pessoas que fazem parte da vossa vida ... O que fariam com essa informação ? Vá, e não sejam "politicamente correctos" e não comecem para aí a dizer que acabavam com a fome no mundo e curavam as doenças, blá blá blá.
Aqui que ninguém nos ouve, digo-vos o que é que eu fazia: apostava! Sim, sim, eu sei que é super previsível mas, não tenho dúvidas de que dedicaria umas 4 quatro ou cinco vidas a esbanjar o dinheiro que ia ganhar no euromilhões em putas e vinho verde, LIVING LA VIDA LOOOOCAAAAA.
Felizmente para os lineares - nome dado aos mortais - que coexistiram com Harry August, ele não era tão auto-centrado como eu, e tinha motivações que iam para além do próprio umbigo. Valeu-lhes isso porque, depois de ser alertado que o fim do mundo se aproximava cada vez mais cedo, decidiu agir e tentar descobrir qual seria a causa.
É nesta demanda pela salvação do mundo, que Harry August se irá cruzar com aquele que será, ao mesmo tempo, o seu maior amigo e inimigo. Aquele com cujos ideais e objectivos discorda mas que, ao mesmo tempo, o seduzem. A escolha que Harry terá de fazer é simples: salvar o mundo, ou criar um mecanismo que permitirá ver tudo o que foi, o que é, e o que será ? Viver como um linear, ou tornar-se Deus ?
Pessoalmente ad♥rei este livro! Foi daqueles que me manteve sempre mega curiosa acerca do que viria a seguir, e sobre o que é que Harry August iria fazer de diferente naquela vida. Se há uma coisa que eu gosto nos livros é quando eles ficam connosco mesmo depois de termos terminado de os ler.
Sabem como é...
Há aqueles em que lemos e pronto.
História encerrada, livro de volta para a prateleira.
Depois temos os outros livros...
Lemos e ficamos a remoer naquilo dias e dias seguidos...
Parece que andamos a sonhar acordados.
Para mim As Primeiras Quinze Vidas de Harry August enquadraram-se neste último e ainda agora, quase uma semana depois de ter terminado a leitura, dou comigo a pensar nas possibilidades que adviriam de viver a mesma vida várias vezes. Tantas possibilidades...
Para além disto, temos as personagens.
Ora, sendo este um aspecto a que dou muita importância - para mim não há desilusão pior do que uma história fantástica, completamente anulada por causa de personagens mal construídas -, não podia ter ficado mais satisfeita visto que logo desde o início que criei uma forte empatia com a personagem principal. Mas, e o que dizer quando também criamos empatia com o seu arqui-inimigo ? A mim só me ocorre uma coisa: genial! Na minha opinião, só demonstra que a autora conseguiu realmente suscitar no leitor, os mesmos dilemas sentidos por Harry August. Aliás, a determinado ponto, eu tornei-me no Harry August e não há nada melhor do que lermos uma história e sentirmos fazer parte dela.
Vamos aos pormenores mais técnicos (eu sei que já me estou a alongar mas o livro é realmente fantástico): Em primeiro lugar temos o facto dos capítulos serem muito pequenos, o que confere algum ritmo à leitura e evita que nos sintamos perdidos com os saltos no tempo. Em segundo lugar, a narrativa na primeira pessoa que contribui para uma maior proximidade entre o leitor e a personagem principal, e nos puxa verdadeiramente para a história. E por último, a qualidade da escrita. Não sei se qualidade será o termo correcto mas, é uma sensação que também costumo ter com os livros da Margaret Atwood. Como hei-de explicar ... Sabem quando lêem e aquilo que soa mesmo bem ? E acabam a ler a frase duas e três vezes enquanto pensam « porra, isto é mesmo bonito ».
Por tudo isto, As Primeiras Quinze Vidas de Harry August é um livro que recomendo sem reservas, a todos os fãs de literatura de viagens no tempo e universos paralelos, por ser uma abordagem diferente que vale a pena conhecer. Se no entanto esta temática não costuma ser a vossa temática de eleição, arrisquem na mesma! Pode haver alguma resistência no início por causa dos saltos temporais mas, à medida que a leitura for fluindo e forem ficando cada vez mais imersos nestas realidades sobrepostas, as coisas farão sentido.
Já me fazia falta encontrar um livro decente! Digamos que as minhas escolhas literárias de 2019 não têm corrido lá muito bem, e até agora o único que valeu realmente a leitura foi A Caminhada! Depois disso, foram só coisinhas medíocres que quase me matavam de tédio.
Até que ...
Encontrei As Primeiras Quinze Vidas de Harry August à venda no olx por um preço bastante acessível e lá fui eu toda feliz e contente ter com a vendedora à estação de Entrecampos. Desde então devo ser a passageira mais alheada da realidade a bordo dos autocarros da Carris.
As Primeiras Quinze Vidas de Harry August têm tudo aquilo que eu gosto num livro! Personagens com as quais consegui criar logo uma forte empatia, um aspecto que para mim é muito importante; uma escrita que até dá prazer ler, ao ponto de ter anotado determinadas frases para mais tarde usar numa tirada pseudo-intelectual e dar ares de tipa inteligente; um enredo bastante interessante e igualmente complexo que me manteve na expectativa do início ao final do livro; o conceito de multiverso; uma ideia de viagem no tempo com o qual nunca me tinha cruzado ...
Harry August é um kalachakra ou ouroboriano, um homem com o dom - ou maldição - de renascer vezes sem conta, sempre no mesmo dia, lugar e circunstâncias e, no seu caso, mantendo intactas todas as memórias das vidas anteriores.
« Dizem que há, entre nós, pessoas que não morrem.
Dizem que essas pessoas nascem e que vivem e morrem e voltam a viver,
a mesma vida, milhares de vezes »
Dizem que essas pessoas nascem e que vivem e morrem e voltam a viver,
a mesma vida, milhares de vezes »
Já li acerca de indivíduos que viajam para um universo paralelo, onde uma outra versão deles fez escolhas diferentes na vida. Um bom exemplo disso, é o Dark Matter de Blake Crouch, cuja review podem ler no blogue.
Também já li acerca de indivíduos que viajam no tempo, mas sem a parte de se cruzarem com outras versões deles. Afinal de contas, se eu viajar para o futuro, simplesmente deixo de estar em 2019 para estar em 3000. Mas continuo a ser uma só pessoa.
O que me surpreendeu em As Primeiras Quinze Vidas de Harry August foi a forma como a autora consegue uma simbiose genial destes dois conceitos. Acaba por não ser bem uma viagem no tempo, mas também não é bem um universo paralelo ...
Acho que ao início não consegui logo absorver a amplitude do conceito mas, à medida que o fui interiorizando, fui ficando cada vez mais entusiasmada com a leitura. Na prática, Harry August não vive exactamente a mesma vida, como se estivesse preso numa espécie de pesadelo temporal. Afinal de contas, ele é um mnemónico, o que significa que mantém intactas as memórias das vidas anteriores. Com esta informação em sua posse, tornar-se-ia praticamente impossível viver exactamente a mesma vida, embora existam de facto acontecimentos que se repetem em todas elas.
Uma coisa é certa: Harry August nasce sempre « na casa de banho das senhoras da estação de Berwick-Upon-Tweed, no dia de Ano Novo de 1919 » e morre sempre por volta de 1996, de causas semelhantes.
É no final da sua décima primeira vida, quando « estava a morrer como de costume », que recebe a visita de uma menina ouroboriana de sete anos.
* * *
« - O mundo está a chegar ao fim - disse ela. - A mensagem foi sendo passada de crianças para adultos, de crianças para adultos, passada de geração em geração desde há mil anos no futuro. O mundo está a chegar ao fim e não podemos fazer nada para o impedir. Por isso, agora é consigo. »
* * *
Mas, da mesma forma que há ouroborianos que consideram imperativo agir para mudar o curso dos acontecimentos, grande parte dos membros do Clube Cronos, um clube criado e constituído apenas por kalachakras, « interessa-se apenas pela incessante repetição do presente », defendendo que não se deve intervir sob quaisquer circunstâncias. Afinal de contas, haja ou não interferências, acabe ou não o mundo, a verdade é que quando renascerem, tudo será igual ao que foi e, se em algum momento se virem no meio de uma guerra ou numa situação demasiado difícil de suportar, basta-lhes porem termo à própria vida e começarem de novo.
Espectacular!
Confesso que isto me deixou a pensar...
Já imaginaram o que seria poderem viver várias vidas tendo convosco os conhecimentos adquiridos ? E não falo apenas dos conhecimentos corriqueiros do dia a dia, mas sim à escala mundial! Ao nascerem novamente, vocês saberiam o que iria acontecer no futuro, porque já fizeram parte desse mesmo futuro. Saberiam de antemão dos desastres naturais, dos avanços tecnológicos e na medicina, das oscilações da economia, das mudanças políticas... Saberiam mais sobre as pessoas que fazem parte da vossa vida ... O que fariam com essa informação ? Vá, e não sejam "politicamente correctos" e não comecem para aí a dizer que acabavam com a fome no mundo e curavam as doenças, blá blá blá.
Aqui que ninguém nos ouve, digo-vos o que é que eu fazia: apostava! Sim, sim, eu sei que é super previsível mas, não tenho dúvidas de que dedicaria umas 4 quatro ou cinco vidas a esbanjar o dinheiro que ia ganhar no euromilhões em putas e vinho verde, LIVING LA VIDA LOOOOCAAAAA.
Felizmente para os lineares - nome dado aos mortais - que coexistiram com Harry August, ele não era tão auto-centrado como eu, e tinha motivações que iam para além do próprio umbigo. Valeu-lhes isso porque, depois de ser alertado que o fim do mundo se aproximava cada vez mais cedo, decidiu agir e tentar descobrir qual seria a causa.
« Pode não ter qualquer importância para nós, pode até ser irrelevante, no grande esquema das coisas. Mas nesse grande esquema há biliões de pessoas só neste século para quem isso é muito relevante, e , ainda que possamos ter mais tempo do que elas, são muito mais numerosas do que nós. As nossas acções... têm consequências.»
É nesta demanda pela salvação do mundo, que Harry August se irá cruzar com aquele que será, ao mesmo tempo, o seu maior amigo e inimigo. Aquele com cujos ideais e objectivos discorda mas que, ao mesmo tempo, o seduzem. A escolha que Harry terá de fazer é simples: salvar o mundo, ou criar um mecanismo que permitirá ver tudo o que foi, o que é, e o que será ? Viver como um linear, ou tornar-se Deus ?
Pessoalmente ad♥rei este livro! Foi daqueles que me manteve sempre mega curiosa acerca do que viria a seguir, e sobre o que é que Harry August iria fazer de diferente naquela vida. Se há uma coisa que eu gosto nos livros é quando eles ficam connosco mesmo depois de termos terminado de os ler.
Sabem como é...
Há aqueles em que lemos e pronto.
História encerrada, livro de volta para a prateleira.
Depois temos os outros livros...
Lemos e ficamos a remoer naquilo dias e dias seguidos...
Parece que andamos a sonhar acordados.
Para mim As Primeiras Quinze Vidas de Harry August enquadraram-se neste último e ainda agora, quase uma semana depois de ter terminado a leitura, dou comigo a pensar nas possibilidades que adviriam de viver a mesma vida várias vezes. Tantas possibilidades...
Para além disto, temos as personagens.
Ora, sendo este um aspecto a que dou muita importância - para mim não há desilusão pior do que uma história fantástica, completamente anulada por causa de personagens mal construídas -, não podia ter ficado mais satisfeita visto que logo desde o início que criei uma forte empatia com a personagem principal. Mas, e o que dizer quando também criamos empatia com o seu arqui-inimigo ? A mim só me ocorre uma coisa: genial! Na minha opinião, só demonstra que a autora conseguiu realmente suscitar no leitor, os mesmos dilemas sentidos por Harry August. Aliás, a determinado ponto, eu tornei-me no Harry August e não há nada melhor do que lermos uma história e sentirmos fazer parte dela.
Vamos aos pormenores mais técnicos (eu sei que já me estou a alongar mas o livro é realmente fantástico): Em primeiro lugar temos o facto dos capítulos serem muito pequenos, o que confere algum ritmo à leitura e evita que nos sintamos perdidos com os saltos no tempo. Em segundo lugar, a narrativa na primeira pessoa que contribui para uma maior proximidade entre o leitor e a personagem principal, e nos puxa verdadeiramente para a história. E por último, a qualidade da escrita. Não sei se qualidade será o termo correcto mas, é uma sensação que também costumo ter com os livros da Margaret Atwood. Como hei-de explicar ... Sabem quando lêem e aquilo que soa mesmo bem ? E acabam a ler a frase duas e três vezes enquanto pensam « porra, isto é mesmo bonito ».
Por tudo isto, As Primeiras Quinze Vidas de Harry August é um livro que recomendo sem reservas, a todos os fãs de literatura de viagens no tempo e universos paralelos, por ser uma abordagem diferente que vale a pena conhecer. Se no entanto esta temática não costuma ser a vossa temática de eleição, arrisquem na mesma! Pode haver alguma resistência no início por causa dos saltos temporais mas, à medida que a leitura for fluindo e forem ficando cada vez mais imersos nestas realidades sobrepostas, as coisas farão sentido.
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