Dark Net (2017) de Benjamin Percy

by - julho 19, 2019

★★★★☆

Sinopse: 
É um mundo escondido, uma arena anónima e criminosa, nos recantos mais escuros da Web, onde se encontram os piratas de música e filmes, os gestores de Bitcoin e os traficantes de droga ou artigos roubados. A verdade é que todos os nossos computadores têm em si o potencial para chegar lá. Agora, um mal antigo está a ganhar força dentro dela. Se conseguir conquistar a Dark Net, pode expandir-se de forma viral para todo um mundo que já não sabe viver offline.

A única esperança de todos os que não sabem o que a Dark Net oculta reside em quatro pessoas: Hannah, uma rapariga de 12 anos, que consegue ver sombras à volta de algumas pessoas com a sua nova prótese ocular; Lela, a sua tia, uma jornalista tecnofóbica que acredita estar perante a história da sua vida; Derek, um hacker com uma causa, que acredita ser um soldado da Internet; e Juniper, que foi evangelista e sabe da existência do sobrenatural.

Na verdade, nenhum deles sabe o que a Dark Net realmente contém, mas estão prestes a descobrir que o Inferno na Terra está apenas a um clique de distância [Fonte: PERCY, Benjamin. Dark Net. Amadora: Topseller, 2017]


Opinião: Já tinha estado com este livro na mão umas quantas vezes, uma delas no pavilhão da Topseller na Feira do Livro 2019. O título Dark Net chamou-me a atenção, mas quando li a sinopse fiquei com a ideia que era mais um livro young adult infantilizado, com « Hannah, uma rapariga de 12 anos, que conseguia ver sombras à volta de algumas pessoas com a sua prótese ocular » como personagem central.



Não podia estar mais longe da verdade e Dark Net foi um dos livros que me surpreendeu desde o início pela sua imprevisibilidade, e pela forma forma como conseguiu conjugar a religião com as novas tecnologias, resultando num livro que é uma mistura de Constantine (2005), com Matrix (1999-2003) 




Toda a história anda à volta de quatro personagens cujos caminhos se vão cruzar devido a uma série de eventos improváveis, mas que terão de unir esforços para combater um mal que emerge da Dark Net e que ameaça destruir Portland.

Hannah, uma miúda com 12 anos que sofre de retinite pigmentosa, o que fez com que passasse a viver « em escuridão permanente » até que um médico da Universidade de Ciências Médicas do Oregon a contactou a fim de a convidar a ser a cobaia de um tratamento especial que lhe permitiria voltar a ver, e que mais tarde desempenharia um papel fulcral na luta que Hannah viria a travar.

Lela, com 30 anos e tia de Hannah. Jornalista do The Oregonian e uma daquelas pessoas que parece viver debaixo de um calhau, completamente aversa às novas tecnologias: « não envia mensagens. Não usa Facebook, o Twitter, o Instagram, ou qualquer outro disparate digital, um dos muitos sorvedouros online que parecem encorajar mexericos e vaidades ».

Mike Juniper, « um homem feio » com « olhos demasiado próximos, um sobrolho pronunciado e o queixo fraco, fazendo lembrar um cavernícola de há 50 mil anos » que gere o Viajante Fatigado, « um de vários abrigos na baixa de Portland », e cuja história nos vai sendo revelada aos poucos, permitindo-nos perceber os motivos pelos quais oculta a sua identidade passada, e por que razão tomou para si a missão de ajudar outras pessoas.

Sarin, « uma mulher de cabelo branco com uma risca negra » cuja vida que agora vive não é a sua primeira, e também não será a última. Ela própria não sabe o que chamar a si mesma, dizendo que supõe ser « uma polícia má. E uma polícia má será sempre melhor do que não haver polícia nenhum, não é ? ».

Começamos bem, portanto. 



Já sabem que sou daquelas pessoas que valoriza imenso as personagens e pouco me importa que a história seja fantástica se depois falhar neste aspeto. E em Dark Net podem estar certos que, decididamente, não falha. As personagens estão bem construídas e foi-me impossível não gostar delas. Obviamente que isto torna a leitura muito mais agradável porque, uma coisa é não querermos saber se vivem ou morrem, outra bem diferente é torcermos para que tudo corra bem. O que nem sempre acontece, e portanto podem esperar umas reviravoltas imprevistas pelo meio (mais um ponto a favor!).

A história começa quando a Undertown Inc - uma empresa cujos únicos contactos são um endereço de e-mail encriptado e um número de telefone que pertence a um blackphone - compra o Rue Apartments, um complexo de 30 apartamentos com demolição marcada há muitos anos, e que ficou célebre por ter sido, durante algum tempo, a residência de Jeremy Tusk, um « psicopata satânico » com queda para o design de interiores, e que nos tempos livres gostava de « cortar pessoas aos bocados » e criar cortinas com a pele (uma espécie de Ed Gein dos tempos modernos).

Lela, que há 6 anos atrás escrevera um texto acerca daquele que se viria a tornar « um assassino em série célebre » , decide investigar mais acerca da compra deste mal-afamado terreno com o intuito de escrever um artigo sobre o Pearl District e a renovação urbana de Portland. Mas, aquilo que encontra no local, leva-a a crer que se passa algo mais do que uma simples reabilitação urbana...


« No interior do estaleiro de obras, descobre uma cratera recente com vários metros de profundidade. (...) Ergue-se da terra em emaranhado, enigmas de costelas, fémures e crânios. »



Uma sucessão de acontecimentos durante esta breve, mas interessante, incursão de Lela ao estaleiro, acaba com a jornalista a fugir com um crânio na mão, enquanto é perseguida por um homem que fala uma língua que desconhece, mas que lhe parece soar a latim... e a partir daqui, apertem os cintos de segurança porque vos esperam cerca de três centenas de páginas repletas de ação, terror e muita adrenalina, onde a Dark Net assume um papel predominante.



Acho que, até certo ponto, já todos ouvimos falar da Dark Net.

Temos uma vaga ideia daquilo em que consiste - muito vaga mesmo, porque de certeza que aquilo que é dado a conhecer ao público em geral é apenas uma pequena fração do que por lá se passa - mas, essencialmente, são as « masmorras, caves e estão cheias de escuridão » onde « cada apetite poderá ser satisfeito » e onde « a Internet não tem limites ». 

Partindo deste conceito, o autor explora aquele que é um dos maiores receios de qualquer utilizador de internet: que as suas informações sejam hackeadas. Ironiza no entanto que normalmente as pessoas só se preocupam com os cartões de crédito e contas bancárias, « como se o dinheiro fosse a única coisa com valor para ser roubada » 

Mas em Dark Net o dinheiro pouco importa, pois aquilo que a Undertown procura é informação muito mais subtil e prejudicial: nomes de utilizador e palavras passe... a nossa identidade online, através da qual tudo é registado, desde os hábitos de navegação à orientação sexual.

Assustador, não é? Quer dizer... não que isto seja novidade! 

Todos sabemos que a internet é como Las Vegas: o que fazemos na internet, fica na internet e decididamente que não são aqueles posts a dizer « Eu não autorizo que os meus dados blá blá blá » que vos vão proteger do escrutínio de olhos alheios. A sério... de cada vez que vejo uma publicação dessas só me dá vontade de correr atrás das pessoas de machado na mão (Here's Johnny!). Meus caros, a partir do momento em que ponham seja o que for na internet, aquilo passa a ser praticamente domínio público. Isto inclui as fotos das criancinhas em fato de banho que põem no facebook e que "só os meus amigos é que podem ver" mas que, algures no mundo, chega às mãos de um pedófilo que se diverte à brava com elas. Se querem proteger os vossos dados, a solução é simples: não ponham a vossa vida toda na internet. 

Já me estou a afastar do cerne da questão.

Voltando ao livro, Benjamin Percy foi brilhante a explorar estes receios e a puxar aqueles pequenos cordelinhos que fazem despertar o paranóico que há em cada um de nós, dando alguma verosimilhança a um contexto muito pouco verossímil: a de que é possível possuir alguém se possuirmos a sua identidade online. Apesar de improvável, não deixa de ser uma ideia bastante interessante.




E quem é que havia de querer possuir a identidade de alguém?

Pois bem meus caros, entramos aqui naquela parte que vos disse fazer lembrar o filme Constantine (2005): as forças do Bem e do Mal estão entre nós e lutam entre elas pelo domínio, sendo o equilíbrio mantido à custa de seres que vivem num espetro diferente do nosso, como Mike Juniper ou Sarin. Ou seja, enquanto a maioria ignora completamente estas lutas que se passam à sua volta, outros lutam por manter o equilíbrio. E ninguém pode dizer que isto não acontece mesmo... 

Temos também cenas bastante... hum... gráficas, que podem chocar as pessoas que se chocam com tudo. Para mim, este foi um grande ponto a favor do livro e que deitou por terra a minha ideia preconcebida - baseada na leitura da sinopse - que Dark Net seria um livro infantilizado, dirigido à população young adult. Mas, se esse é realmente o público alvo, e se lêem cenas destas, acho muito bem! Antes grávidas penduradas em postes do que vampiros que brilham no escuro (eu sei que eles brilham ao sol mas gosto de dizer que brilham no escuro só para irritar as pessoas).

Um outro detalhe que adorei (não sei bem se lhe posso chamar "detalhe"), e que é cada vez mais raro encontrar, é a beleza da escrita. Há tipos que sabem contar história e manter-nos agarrados ao livro. E há aqueles que conseguem narrar uma história e fazê-la soar quase poética, ao ponto de passarmos o tempo a chatear quem está à nossa volta e a dizer "ouve lá isto!", enquanto entramos em modo declamatório. Houveram muitos momentos desses durante a leitura de Dark Net. Portanto, Benjamin Percy, não só consegue criar uma boa história, como consegue contá-la da melhor maneira possível.

Acho que essencialmente podemos dizer que gostei de tudo neste livro. 
Bom...quase tudo. 

Não me considero uma grammar nazi, embora reconheça que me as gralhas me irritam um bocado. Mas, apesar de as achar irritantes, já me habituei a aceitá-las, sobretudo depois de ter começado a trabalhar no blogue e ter percebido que é muito fácil surgir uma ou outra, mesmo fazendo revisão do texto mais do que uma vez. 

Mas uma coisa é um blogue pessoal.
Outra é um livro. 

E em Dark Net escaparam demasiadas coisas, uma das quais um tipo que usa uma « camisa termal ». Eu tinha quase a certeza que o termo a usar seria camisa térmica mas, ainda assim, fui ao dicionário confirmar.




Portanto, a não ser que a Decathlon tenha inventado um novo tipo de camisa que permite usufruir de todos os benefícios das águas termais sem ter de ir a São Pedro do Sul, o termo foi mal empregue. Claro que isto é traduzido do inglês e, em inglês, tanto térmico como termal se escrevem thermal. Por isso, pode ter havido alguma coisa que se tenha perdido na tradução. O único problema é que se perderam mais coisas pelo caminho, resultando num livro cuja edição parece algo descuidada.

Seja como for, que isto não vos demova de ler Dark Net porque, caramba, o raio do livro é mesmo bom! 

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