Boneca de Trapos (2017) de Daniel Cole
★★★☆☆
Sinopse:
William Fawkes, um controverso detetive conhecido por « Wolf », acabou de ser reintegrado no seu posto após ter sido suspenso por agressão a um suspeito. Ainda sob avaliação psicológica, Fawkes regressa ao ativo, ansioso por um caso importante. Quando se encontra com a sua antiga colega e amiga, a inspetora Emily Baxter, num local de crime, tem a certeza de que é aquele o grande caso: o corpo que encontram é formado pelos membros de seis vítimas, suturados de modo a formar uma marioneta, que ficou conhecida como « Boneca de Trapos ».
Fawkes é incumbido de identificar as seis vítimas, mas tudo se complica quando a sua ex-mulher, que é repórter, recebe uma carta anónima com fotografias do local do crime, acompanhada de uma lista na qual constam os nomes de seis pessoas e as datas em que o homicida tenciona assassiná-las.
O último nome da lista é o de Fawkes.
A sentença de morte com data marcada desperta as memórias mais sombrias de Wolf. O detetive teme que os assassinatos tenham mais a ver com ele - e com o seu passado - do que qualquer um possa imaginar.
Fonte: Cole, Daniel. Boneca de Trapos. Lisboa: Suma de Letras (2018)
Opinião [contém spoilers]: Por norma, a minha escolha de livros não tem como base a sua popularidade e há muitos que, por muito falados que sejam, não me despertam o mínimo interesse. Este Boneca de Trapos foi um desses casos. As opiniões que iam aparecendo na internet eram bastante positivas, e Daniel Cole ganhou a reputação de ser um dos mais promissores escritores de literatura policial contemporânea. Mas, apesar do livro ser de 2017, foi só em 2020 que o comprei e apenas porque o encontrei com 50% de desconto na note! Já há algum tempo que não lia policiais - que, curiosamente é um género que me sabe bem no verão - e decidi aproveitar!
Boneca de Trapos é o primeiro livro da série Fawkes & Baxter, os dois detetives que assumem o papel de protagonistas. Não sei se estão previstos mais livros, assim como também não sei se irei ler o Hangman e o Endgame porque, muito honestamente, não achei este primeiro livro nada de especial. A ideia está interessante, é verdade. Também é verdade que tem umas reviravoltas inesperadas mas, a partir de determinado ponto, comecei a achar que as coisas não faziam sentido e o final acabou por se revelar demasiado atabalhoado para o meu gosto.
Mas, comecemos pelo início. O prólogo do livro remete-nos para 2010, quatro anos antes dos acontecimentos da Boneca de Trapos, mais concretamente para o julgamento de Naguib Khalid, O Cremador. Khalid era acusado de ter cometido vinte e sete crimes em vinte e sete dias, em que todas as vítimas eram prostitutas entre os catorze e os dezasseis anos, que eram sedadas e queimadas vivas. Apesar das evidências, aquele que se pensava ser O Cremador foi considerado inocente. Fawkes, o detetive que acompanhara todo o caso e que não tinha qualquer dúvida de que estavam de facto perante o culpado, não se conseguiu controlar e agrediu-o, tendo acabado por ser « acusado de manipulação de provas e agressão brutal a um homem diante de uma sala de audiências cheia ». E assim nasce a nossa primeira personagem-cliché: o detetive que quer fazer justiça pelas próprias mãos.
Na verdade, as personagens de Boneca de Trapos parecem ter saído de uma check list. Temos William Fawkes, também conhecido como « O Lobo », que é o detetive que quebra as regras em nome da justiça e dos seus princípios morais, recém divorciado, descredibilizado pela opinião pública e a viver num apartamento merdoso. A sua ex-parceira, a detetive Baxter, sobre quem recai a suspeita de ter um relacionamento amoroso com Wolf, e que é uma bruta desbocada com problemas de alcoolismo. E, para encerrar o trio, temos Edmunds, o novo parceiro de Baxter, recentemente transferido do Departamento de Fraudes, que é mal tratado por toda a gente por ser visto como um novato, mas que se vai transformar no criminologista de serviço porque, quando estava na universidade ,escreveu « um ensaio sobre os motivos que levam os assassinos em série a enviar comunicados para a imprensa ou para a polícia ». Personagens já mais do que vistas nos livros deste género.
Já o crime que dá mote ao título foi bem mais original. A Boneca de Trapos é, basicamente, um corpo feito com pedaços de seis corpos diferentes, que foram retalhados e cosidos juntos, deixando uma das mãos a apontar para a casa de Fawkes. Macabro, não acham? Para apimentar ainda mais as coisas, é enviada uma carta para uma repórter com uma lista das próximas vítimas, da qual faz parte do nome do detetive. Se dúvidas houvessem, a partir daqui deixam de haver: William Fawkes é, oficialmente, uma das próximas vítimas.
A partir daqui a ação irá desenvolver-se em torno da tentativa do Departamento de Homicídios e Crimes Graves da Polícia Metropolitana de Londres resolver dois mistérios: Descobrir a quem pertencem as partes dos corpos que fazem parte da Boneca de Trapos, e evitar a morte das seis pessoas que fazem parte da lista enviada pelo assassino.
Quanto à parte da identificação das vítimas cujos membros formavam a Boneca de Trapos, achei interessante a forma como tudo se ia desvendado aos poucos, e como cada nova pequena pista era mais uma importante peça do quebra-cabeças. Gostei da forma como, partindo de detalhes aparentemente insignificantes, os detetives iam conseguindo desvendar o mistério aos poucos, e por vezes até com revelações bastante inesperadas.
No que diz respeito à lista das vítimas, achei que a ideia estava genial e, depois do assassino ter conseguido levar a cabo a primeira morte, numa esquadra da polícia, a ideia com que fiquei é que não haveria nada que o conseguisse parar. Mas depois, olhando para trás e pensando na forma como todos eles morreram, a conclusão a que chego é que é tudo muito pouco credível e a polícia incompetente.
Quando chegamos ao final do livro, tudo dá a entender que Fawkes tinha uma ideia nos nomes que constavam na tal lista, mas não tinha como saber qual a ordem pela qual as pessoas seriam mortas. Ele tem acesso à lista no dia 28 de Junho e a morte da primeira vítima, mayor Turnble, estava marcada para essa mesma data. No entanto, a forma como ele morreu indicia que era uma morte planeada há várias semanas, visto que o assassino andava a enviar flores cheias de pólen de ambrósia (que pelos vistos são muito nocivas para quem sofre de asma) para a esquadra. Então mas... como é que o assassino sabia que o Turnble ia ser levado para aquela esquadra? Claro que o inalador impregnado com uma substância incendiária ia sempre dar mau resultado, mas será que ele teria inalado tanto se não estivesse a ser afetado pelo pólen?
Segunda morte, Vijay Rana. Põem o tipo numa cela guardada para evitar que seja assassinado, aparece a advogada para falar com ele, e deixam-na entrar. Ele não estava a ser acusado de nada, estava ali para sua própria proteção, portanto: para que servia a advogada? Por outro lado, qual é a lógica de não a deixarem entrar com sapatos mas deixarem-na entrar com a mala?
Terceira morte, Jarred Andrew Garland. Se só a Baxter e a Andrea é que sabiam do esquema para simular o assassinato, como é que o assassino adulterou o equipamento? Sei que no final do livro se refere que o assassino tinha acesso a todo o processo usando a password de um detetive que matara mas, esta simulação foi totalmente feita à revelia...
Quarta morte, Andrew Ford. Foi a partir daqui que bateu no fundo. Então o grande plano deste mestre dos assassinatos premeditados é convocar uma manifestação para a porta da embaixada, para se gritarem impropérios que mexam com o sentimento de culpa do tipo, para ele acabar por se matar?! A mim parece-me altamente falível... E se as janelas tivessem grades? E se o tipo tivesse feito entretanto as pazes com o passado? E se os seguranças o tivessem agarrado? Não sei... parece-me tudo muito à mercê das circunstâncias para quem tem uma agenda a cumprir.
A quinta vítima foge, revelando que afinal o assassino não é infalível. E, por fim, para o grand finale temos o confronto entre o vilão e o detetive Fawkes que é, no mínimo, uma desilusão. Então o nosso aparentemente omnipresente e omnisciente assassino é... um ex-militar, « único sobrevivente do ataque que vitimou nove elementos da sua unidade », que sofre de stress pós traumático e que « não poderia regressar ao serviço militar devido a lesões físicas e mentais ».
E aqui começa mais um etapa das coisas que não fazem sentido.
Percebo a ideia do ex-militar, Masse, se ter decidido tornar numa espécie de hitman que matava pessoas on demand, sendo o preço a pagar o da vida da pessoa que requisita os seus serviços. Nos crimes anteriores à Boneca de Trapos as únicas evidências que se encontravam nos locais eram as poças de sangue das vítimas, mas nunca um cadáver. E agora ele decide mudar completamente o modus operandi, matar e retalhar seis pessoas e ainda construir uma boneca?! Uma coisa é matar e desfazer-se dos corpos, outra bem diferente é andar armado em Victor Frankenstein. Parece-me pouco plausível.
Depois de toda a tagarelice e troca de ameaças entre Masse e Fawkes, eis que o ex-militar puxa literalmente o seu ultimo trunfo pelos cabelos: Baxter. Percebemos que a detetive não fazia parte da lista do assassino, e é o próprio quem diz « tenho de admitir que estou a improvisar aqui (...). Quem poderia adivinhar que ela viria à nossa procura sozinha? » Instantes depois, revela a Fawkes que quem escreveu a carta que levou à sua suspensão da Polícia não tinha sido Chambers - que acabou por ser uma das vítimas a fazer parte da Boneca de Trapos - mas sim Baxter. Agora reparem no seguinte: quando Fawkes deu o nome das vítimas a Masse, terminou com « (...) e todas as outras pessoas cujas mãos estão manchadas com o sangue daquela menina », o que significa que o assassino teve de fazer uma investigação bastante profunda para descobrir quem é que esteve indiretamente envolvido. Então... porque é que matou Chambers se ele não esteve envolvido? Porque é que não matou, nem planeava matar, Baxter?
E como à medida que nos aproximávamos do final, as coisas iam ficando mais estranhas, conseguimos ter uma personagem que, com as mãos algemadas, consegue colocar um cotovelo na virilha e desapertar o cinto. Não sei se o autor pensou bem na acrobacia em questão, mas não sei bem como é que tal é possível se a pessoa não tiver uma articulação adicional entre o pulso e o cotovelo. Ainda assim, na dúvida, fiz uma sondagem na página do instagram e parece que 67% das pessoa partilha da mesma opinião. Quanto aos outros 33%, só acredito se vir.
Seja como for, se não quisermos ir ao detalhe, acaba por ser um livro que se lê bem e que nos consegue manter interessados. Tive pena do meu interesse se ter desvanecido a partir de certo ponto...
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