Um, Dó, Li, Tá (2014) de M.J.Arlidge
★★★☆☆
Sinopse:
Uma jovem rapariga surge dos bosques após sobreviver a um rapto aterrador. Cada mórbido pormenor da sua história é verdadeiro, apesar de incrível. Dias mais tarde é descoberta outra vítima que sobreviveu a um rapto semelhante.
As investigações conduzem a um padrão: há alguém a raptar pares de pessoas que depois serão encarcerados e confrontados com uma escolha terrível: matar e sobreviver, ou ser morto.
À medida que mais situações vão surgindo, a detetive encarregada deste caso, Helen Grace, percebe que a chave para capturar este monstro imparável está nos sobreviventes. Mas a não ser que descubra rapidamente o assassino, mais inocentes irão morrer...
Um jogo perigoso e mortal, num romance de estreia arrebatador e de arrasar os nervos, que lembra filmes como Saw - Enigma Mortal e A Conspiração da Aranha.
Fonte: Arlidge, M.J. Um, Dó, Li, Tá. Amadora: Topseller (2018).
Opinião [contém spoilers]: Não costumo comprar livros que não estejam planeados, mas acabei por me perder nas promoções da note! Já há algum tempo que andava afastada dos policiais, mas quando vi a Boneca de Trapos e o Um, Dó, Li, Tá com 50% de desconto, achei que era uma oportunidade demasiado boa para perder. Afinal de contas, ambos são livros com boas reviews e uma boa reputação... No entanto, achei que o primeiro não era nada de especial, e fiquei sem perceber o porquê de tanto alarido à volta de um livro cheio de pontas soltas. Por isso, como podem imaginar, já comecei a leitura do Um, Dó, Li, Tá de pé atrás, sem saber se iria ser mais do mesmo. Mas depois de ter começado a ler, rapidamente pus as reservas de parte.
A ideia está bastante interessante: as pessoas são raptadas aos pares, e levadas para locais abandonados onde a probabilidade de serem encontradas é nula. Uma vez lá, deparam-se com um telemóvel - que, como é óbvio, não permite realizar chamadas - com uma mensagem que lhes diz existir uma arma com apenas uma bala junto ao telemóvel, e que o preço da liberdade será « matar para viver ». Portanto, as opções resumem-se a: 1) nenhum dos dois usar a arma e morrerem os dois de fome e de sede, ou 2) um matar o outro e sair em liberdade. O que é que fariam?
É precisamente este o dilema que todas as pessoas arrastadas para este jogo mórbido enfrentam, e foi interessante a forma como o autor conseguiu explorar as diferentes reações. Ao todo, são cinco os pares a quem é dada a opção de matar para viver, e todos eles têm formas distintas de encarar e de lidar com problema, embora o resultado final seja quase invariavelmente o mesmo. Pode soar um bocado mórbido mas o processo de tomada de decisão das vítimas foi a minha parte favorita do livro: o modo como conseguimos acompanhar o declínio, a passagem da esperança ao desespero, e finalmente a tomada de consciência de que não há realmente outra saída que não seja matar ou morrer. Não que o autor explore isto de forma exaustiva, mas explora o suficiente para que nós, enquanto leitores, sintamos também a esperança a esvair-se e percebamos que as coisas não vão acabar da melhor forma.
Outro aspecto que, na minha opinião, o autor conseguiu captar de forma incrível, foi a impotência das vítimas face à situação em que se encontram e a crescente sensação de inevitabilidade. Isto deve-se, em grande parte, aos locais de cativeiro escolhidos pelo raptor: umas piscinas municipais abandonadas e sem escadas para sair, uma antiga central elétrica, um apartamento num bairro degradado... Em cada um dos casos, de nada valia gritar ou esperar por ajuda, pois ela nunca viria.
Foto de Sérgio Godinho | Fonte: nit.pt |
Mas, se por um lado fiquei imediatamente rendida à parte das vítimas e dos raptos, o mesmo não posso dizer das personagens do Um, Dó, Li, Tá e cheguei mesmo a comentar na página do Instagram que não estava a gostar minimamente da personagem central, a inspetora-detetive da polícia de Southampton: Helen Grace. Felizmente alguém me disse que aquilo era só o impacto inicial, e a realidade é que aos poucos lá me fui habituando aos « 1,80 de ambição e vigor » desta inspetora masoquista, que « nunca chegava tarde, nunca estava ressacada e nunca adoecia ». Atenção que eu disse que me fui habituando, e não que comecei a gostar dela.
Depois temos, como não podia deixar de ser, o polícia alcoólico. Neste caso o papel coube a Mark Fuller, detetive superintendente, um « polícia atraente e talentoso » que foi trocado pela mulher. Nada de novo aqui, e já na Boneca de Trapos eu tinha comentado que as personagens dos policiais parecem sempre as mesmas.
E por falar em personagens que parecem sempre as mesmas, quem é que está a faltar? A jornalista inconveniente: que neste caso é Emilia Garanita, repórter-chefe de Crime do Southampton Evening News, « vigorosa e elegante, mas também destroçada e desfigurada ».
Por isso, como podem ver, as personagens não são propriamente o ponto forte do livro e, certamente que não o foram para mim. Mesmo a grande reviravolta final não me fez sentir mais próxima de nenhuma delas, e o mais certo é que daqui a uma semana já não me lembre de nenhuma.
Parece que até agora temos um empate entre aspetos positivos e negativos do livro, e se não houvesse nenhum elemento adicional, o balanço seria negativo. Mas não é. E porquê? Porque o autor realmente explora a motivação para crimes, dá-nos uma explicação para tudo aquilo que aconteceu e permite-nos conhecer quem está por trás de tudo isto.
Este é um aspeto que às vezes falha, mas no caso de Um, Dó, Li, Tá percebe-se que M.J. Arlidge se dedicou realmente a construir um background para tudo o que se estava a passar. Não se limita à explicação simples de que « é assim porque sim » ou « é assim porque tinha problemas mentais ». Pelo contrário, ao longo de todo o livro, vamos tendo uns capítulos que relatam uma série de abusos ocorridos na infância de uma das personagens, e aos poucos, vamos percebendo que aquela pessoa está a enveredar por um caminho sem retorno que apenas poderá levar a uma escalada de violência, ódio e vingança. Foi curioso que, durante uns quantos capítulos, não percebi quem era o narrador desses pequenos episódios: seria o assassino, a inspetora-detetive, ou alguma outra pessoa desconhecida? Mas à medida que a história foi evoluindo e as peças se começaram a encaixar, comecei também a perceber quem era o narrador...
Quanto à identidade do criminoso, tive várias suspeitas ao longo do livro, e todas elas me pareciam perfeitamente plausíveis. O facto de só termos acesso ao ponto de vista das vítimas e da polícia, acaba por fazer com que não saibamos mais do que eles, e isso é realmente uma boa forma de manter o suspense até ao final. Não iria ao ponto de o comparar com o Saw, como a sinopse sugere (as soluções no Saw nunca são tão simples como uma bala) mas é sem dúvida um livro com uma boa dose de suspense.
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