Bem-vindos a Joyland (2013) de Stephen King
★★★☆☆
Sinopse:
Carolina do Norte, 1973. Na esperança de conseguir esquecer a namorada que lhe despedaçou o coração, Devin Jones, um estudante universitário, vai trabalhar na Joyland, um parque de diversões. Contudo, acaba por se ver confrontado com algo muito mais terrível: uma rapariga, Linda Gray, vítima de um perverso homicídio, assombra o comboio-fantasma. O assassino ainda está à solta e Devin decide encontrá-lo.
Fonte: King, Stephen. Bem-vindos a Joyland. Lisboa: Bertrand Editora (2019)
Opinão: Quando se fala em Stephen King pensa-se, quase instintivamente, em terror. Mas, se é terror que procuram, não o vão encontrar em Bem-Vindos a Joyland. Na verdade, os elementos sobrenaturais resumem-se a um fantasma de uma rapariga assassinada, e a um rapaz que, tal como Danny em The Shinning, tem a capacidade de ver para além do véu da realidade. Por isso, se estão a pensar em explorar a obra de King por causa dos elementos de terror, este livro talvez não seja o mais indicado. Ainda assim, devemos ter em consideração que o autor não escreve apenas terror, e Bem-Vindos a Joyland é mais um excelente exemplo da sua versatilidade, e da capacidade para construir um enredo e personagens que realmente envolvem o leitor.
A história é narrada na primeira pessoa, na perspetiva de Devin Jones que, agora com sessenta anos, olha para o passado, para aquele que diz ter sido « o Outono mais bonito da minha vida ».
« O ano em que me destroçaram o coração. O ano em que perdi a vingindade. O ano em que salvei uma linda menina de morrer asfixiada e um velho antipático de morrer de ataque de coração (ou pelo menos do primeiro). O ano em que um psicopata quase me matou numa roda-gigante. O ano em que eu queria ter visto um fantasta e não consegui... embora ache que pelo menos um deles me tenha visto. Foi também o ano em que aprendi a falar uma língua secreta e a dançar o hokey pokey vestido de cão. O ano em que descobri que há coisas muito piores do que perder uma rapariga.
O ano em que tinha vinte e um anos e ainda era um novato.»
Devin e Wendy tinham sido inseparáveis durante dois anos, inclusivé durante as férias de Verão da faculdade, em que trabalhavam juntos. No entanto, no Verão de 1973, Wendy decide mudar-se para Boston depois de uma amiga lhe ter conseguido um trabalho lá. Devin , por sua vez, começa a trabalhar na Carolina do Norte, « num parque independente, não tão grande como a Six Flags e sem qualquer comparação com a Disneylândia, mas era suficientemente grande para impressionar ». Infelizmente, David e Wendy pareciam não estar completamente em sintonia no que diz respeito às relações à distância, e ao fim de pouco tempo, a relação chegou ao fim, deixando o nosso protagonista de coração destroçado e sem perceber o porquê.
Foi em Joyland que Devin encontrou o apoio de que precisava. O grupo de feirantes, que trabalhava para vender diversão e sorrisos, acabam por se tornar numa espécie de segunda família para ele. É com eles que David aprende a falar « a Fala », a operar a roda-gigante, a dançar vestido de cão... mas, principalmente, aprende que há vida depois de um coração partido.
Grande parte do livro é isto: a vida diária de Devin na Joyland. Dito assim, até parece aborrecido, mas a verdade é que foi precisamente isto que me manteve tão interessada no livro. Stephen King tem esta capacidade incrível para construir personagens e histórias, e Bem-Vindos a Joyland não é exceção! E que melhor forma há de construir personagens do que colocar o leitor na pele delas? É precisamente isso que acontece aqui pois, sendo o livro narrado na primeira pessoa, temos acesso a tudo o que vai na cabeça do protagonista, e é impossível não nos sentirmos solidários com aquele que é um verdadeiro good guy, e não nos sentirmos verdadeiramente felizes com as suas pequenas vitórias.
Depois temos também o fator sobrenatural que, embora não sendo o cerne do livro, confere-lhe aquele ambiente típico dos livros de King, muitas vezes marcados pelas suspeitas de que alguma coisa se está a passar, sem se saber muito bem o quê. Dizem as histórias que existe um fantasma de assombra Devin na Joyland, mais precisamente a Horror House. O nome do alegado fantasma é Linda Gray, assassinada pelo alegado namorado, durante um passeio no comboio fantasma.
« Entraram juntos, mas apenas ele saiu. A meio do percurso, que leva mais ou menos nove minutos, ele cortou-lhe a garganta e atirou-a para o lado do monocarril onde os carrinhos andam. Atirou-a como se ela fosse lixo »
O assassino nunca foi apanhado e, quatro anos depois, quando vai trabalhar para Joyland, Devin desenvolve um fascínio por este mistério não resolvido e, claro, pela hipótese de poder existir um fantasma ali tão próximo. Mas, mais do que a questão do fantasma, aquilo que realmente o intriga é... como é que ele escapou? O mistério ainda se adensa mais quando Erin, uma amiga e ex-colega da Joyland, leva a cabo uma investigação por conta própria e descobre que aquele caso poderá estar relacionado com o de outras mulheres mortas em circunstâncias idênticas. Não fosse isso o suficiente, ficamos ainda com a suspeita de que a polícia terá deixado escapar pistas essenciais que talvez pudessem revelar a identidade do assassino.
A componente sobrenatural não se fica por aqui, e temos duas outras personagens que darão um outro sabor a esta história. Como disse, a parte do oculto não ocupa aqui um lugar central, pelo que aquilo que temos é um pequeno indício aqui e ali, insufientes para termos a certeza de que se passa alguma coisa, mas suficientes para nos deixar desconfiados e, claro, curiosos. Uma dessas personagens é Rosalina Gold que, durante os tempos de feira, é conhecida pelo nome de Madame Fortuna e é descrita como sendo uma espécie de « Bela Lugosi com Seios ». Achei esta comparação excelente e deixa-nos mesmo com aquela ideia de mulher cartomante charlatã, cheia de pulseiras a tilintar e com uma farta cabeleira encaracolada. Mas será mesmo uma charlatã? A verdade é que, por diversas vezes, faz afirmações que acabam por se revelar acertadas...
Mais tarde, teremos também Mike, um rapazinho que sofre de uma doença degenerativa grave e que tem a capacidade de brilhar. Lembram-se de Danny do livro Shinning e Doutor Sono? Pois bem, a ideia é a mesma: Mike tem uma espécie de sexto sentido que lhe permite ter premonições - ainda que por vezes não conheça o seu significado - e comunicar com mortos. Mas, ao contrário do que acontece nos outros livros que referi, aqui a história não é sobre nada disto. Sim, Mike dará o seu contributo mas o livro não é acerca do poder de Mike, embora seja um ingrediente que nos causa grande antecipação.
É estranho que, ao reler na review, parece que o livro é aborrecido... A ideia que passa é que é sobre um tipo de coração destroçado a trabalhar numa feira que supostamente está assombrada. Mas então como explicar eu ter lido o livro de uma vez? Como explicar que não o tenha conseguido pousar? É simples: é uma daquelas histórias pelas quais nos deixamos embalar. É fácil gostarmos das personagens e mergulharmos no ambiente da feira. E é ainda mais fácil ficarmos, tal como Devin, fascinados por este crime sem resposta, sobretudo quando sentimos que bastará um pequeno detalhe para que tudo fique esclarecido.
Já Hitchcock dizia que « não há terror no bang, apenas na antecipação dele » e é isso que torna Bem-Vindos a Joyland num livro tão cativante: o facto de passarmos grande parte da leitura a antecipar uma série de cenários e o grande desfecho.
Será sem dúvida um excelente livro para quem se queira ter um primeiro contacto com este autor e familizar-se com o seu estilo cativante. Já os fãs do terror podem ficar um pouco desiludidos porque não vão encontrar aqui aqueles cenários e situações típicas dos livros do mestre do terror mas, ainda assim, é inegável que Stephen King tem um dom para contar histórias.
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3 comments
Excelente review! Li este livro há uns verões atrás e gostei! Mesmo não sendo terror, o King consegue criar personagens muito humanas!
ResponderEliminarObrigado José! Um elogio desses vindo de um fã de Stephen King (a julgar pela tua coleção invejável) deixa-me realmente feliz :D Concordo contigo: as personagens são realmente muito humanas. É, aliás, aquilo de que mais gosto nos livros dele: a forma como ele vai dando vida aos espaços e às pessoas, ao ponto de nos transportar para lá. Só não costumo é gostar dos finais :P
EliminarSerá um dos próximos, depois de terminar "It" e ler "Misery"
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