A Quinta (2019) de Joanne Ramos

by - agosto 19, 2020

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★★☆☆☆
Sinopse:
Golden Oaks é um retiro luxuoso onde as mulheres encontram todo o tipo de serviços: refeições orgânicas, professores de fitness, massagens diárias - e tudo a custo zero. De facto, quem aqui reside ainda recebe uma elevada quantia de dinheiro. A contrapartida? Durante nove meses não pode deixar o espaço, os seus movimentos são monitorizados e tem de cortar os laços com a sua vida anterior enquanto se dedica a uma única tarefa: produzir o bebé perfeito para os clientes super-ricos.

Jane, uma imigrante das Filipinas, está desesperada por um futuro melhor quando, depois de um processo rigoroso, é selecionada para ser "Hospedeira" em Golden Oaks - ou na Quinta, como os residentes lhe chamam. Mas grávida, frágil e preocupada com o bem-estar da sua família, Jane está determinada a contactar os seus. No entanto, se deixar a Quinta, perde a recompensa financeira que poderia mudar a sua vida para sempre.

Apaixonante e provocador, A Quinta explora as tensões entre ambição, mérito, dinheiro e maternidade e levanta questões cruciais sobre os sacrifícios que as mulheres estão dispostas a fazer para melhorar os futuros daqueles que amam.

Fonte: Ramos, Joanne. A Quinta. Porto Salvo: Saída de Emergência (2020).


Opinião (contém spoilers): « Distopia ao estilo de Margaret Atwood », é o que diz a capa. A sinopse fala-nos de « um retiro luxuoso onde as mulheres encontram todo o tipo de serviços » mas de onde não podem sair até completarem a tarefa de « produzir o bebé perfeito para os clientes super ricos ». Assim à primeira vista, parece ter todos os ingredientes para ser uma daquelas distopias com um enredo interessante... só que não é.
  

Quando ouvi falar deste livro pela primeira vez fiquei super entusiasmada! Ainda tinha bem presente a memória de A História de Uma Serva, onde uma queda drástica da natalidade levou a que as mulheres fossem convertidas numa espécie de útero ambulante, forçadas a manter relações sexuais com o homem da família a quem foram atribuídas, com o único propósito de procriar. Ou até mesmo As Filhas de Eva, onde a diminuição dos nascimentos de bebés do sexo feminino fez com que se começassem a fabricar mulheres, treinadas desde pequenas com o único propósito de servirem os homens a quem fossem entregues. Mas, decididamente, A Quinta, ficou muito aquém de qualquer um destes livros e, sinceramente, não percebo o entusiasmo à volta do tema, e muito menos a comparação com Atwood.

Margaret Atwood  

Golden Oaks Farm é « um lugar de beleza natural imaculada, luxuriante e verdejante » que contrata mulheres, às quais chama de Hospedeiras, para serem barrigas de aluguer: « Quando se era escolhida como Hospedeira vivia-se numa casa de luxo no meio do campo, e o trabalho consistia em descansar e manter saudável o bebe que se tinha na barriga ». Nesse espaço, do qual não podiam sair durante os nove meses da gravidez, tinham acesso gratuito a variadíssimos serviços, tais como « um laboratório, onde se recolhe e analise sangue, as salas de consulta, para as ecografias e acompanhamento semanais, a sala de aula, onde as Hospedeiras aprendem sobre boas práticas gestacionais, biblioteca (...) », sala de exercício, piscina e um enorme terreno onde passear. Portanto, basicamente, estamos a falar de um retiro gestacional de luxo, onde as Hospedeiras eram pagas para gerar e parir o filho de algum casal rico.

Eram obrigadas a ter relações sexuais para engravidar? 
Não.

Eram drogadas e inseminadas sem consentimento? 
Não.

Eram isoladas do mundo e nunca mais libertadas? 
Não.

As crianças que nasciam afinal eram usadas para fins obscuros? 
Não.


Então porque é que o livro é promovido como sendo uma distopia e comparado a Atwood? Não faço ideia! Mas, se tal como eu, começaram a ler A Quinta a pensar que existe alguma conspiração maléfica por trás de tudo isto, vão acabar desiludidos. Eu passei o livro todo à espera de alguma revelação que mostrasse que afinal a Golden Oaks Farm era uma fachada para algum negócio macabro mas a verdade é que A Quinta, nada tem de distópico ou de macabro. É simplesmente um negócio onde existe procura de barrigas de aluguer, e mulheres que de livre vontade e a troco de um pagamento chorudo se candidatam. Tal como acontece em muitas empresas que, atualmente, se dedicam a esse mesmo tipo de negócio.


Mas acho que até o próprio título é enganador, não é ? Fala-se em quinta e imaginamos logo centenas de mulheres fechadas em cubículos a serem forçadas a um ciclo infindável de gravidez e parto, para servir os interesses de quem tiver dinheiro para pagar (o que até seria uma ideia mais interessante do que aquilo que se passa no livro). Mas a realidade é que o termo « quinta » apenas é utilizado uma única vez durante o livro, quando Lisa, Hospedeira pela terceira vez na Golden Oaks, diz que aquele sítio « é uma fábrica, e tu és o produto » (...) « há clientes que se estão borrifando para a Hospedeira. Mas a maioria quer saber, pois eles estão obcecados com tudo o que esteja relacionado com os bebés deles. É o novo narcisismo. É isso que a Quinta promove; eles atiçam-no ». Mas reparem: apesar das críticas, é a terceira vez que opta por ser barriga de aluguer. Logo, acredito que dinheiro que recebe deve compensar os incómodos causados.

Para ser franca, nem consigo imaginar que incómodos fossem esses (tirando a parte de parir, claro!). Em nenhum momento achei que as Hospedeiras fossem mal tratadas de alguma forma e todas as limitações que lhes eram impostas tinham sempre fundamento. Além disso, todas essas regras e restrições estavam descritas no contrato que assinaram antes de aceitarem ingressar na Golden Oaks. Ainda assim, e talvez porque eu queria muito que houvesse alguma coisa para além de uma história sobre um centro de barrigas de aluguer, houve um ou outro capítulo em que fiquei com a sensação que talvez houvesse alguma coisa mais obscura por trás da aparente normalidade do centro. Mas não. A história não passa disso: mulheres grávidas num retiro gestacional.

  

  

Chegamos ao epílogo. 

Depois de 292 páginas em que não se passa nada de especialmente emocionante a não ser a tentativa de fuga de uma das Hospedeiras, que desta forma rompeu com o contrato e perdeu o direito ao prémio chorudo que lhe estava destinado. Depois de vários capítulos onde se tenta demonizar Mae, a responsável máxima por Golden Oaks, tentando dar a entender que é manipuladora e, talvez, demasiado ambiciosa. Depois de tudo isto... tudo acaba bem.

A sério?! Este foi provavelmente um dos finais mais completamente desconectados do resto da história que já li. Passei o tempo à espera que surgisse alguma informação que revelasse a realidade de Golden Oaks ou sobre a identidade das suas Clientes. Em vez disso, o que encontrei foi um final em que a nossa personagem principal decide ser barriga de aluguer mais uma vez, e onde a diretora Mae afinal até tem um coração de ouro e gosta de ajudar os mais necessitados.

Jael Richardson's book pick: The Farm by Joanne Ramos | CBC Radio

Apesar de não ter gostado especialmente, percebe-se que, ao longo do livro, a autora pretendia explorar temas como a discriminação racial, as assimetrias sociais e a exploração dos imigrantes, pois todos esses elementos estão bem presentes. A nossa personagem principal é imigrante, assim como a maior parte das pessoas que fazem parte do seu círculo mais próximo, e através delas vamos conhecer a discriminação de que são alvo. A própria Golden Oaks conta com Hospedeiras, na sua maioria, provenientes também das Filipinas ou das Caraíbas, dando a entender que essa é a única forma que encontraram de ganhar dinheiro que lhes permita viver, e não apenas sobreviver. O facto de termos pessoas que estão dispostas a pagar fortunas por uma barriga de aluguer, e ainda uma fortuna maior por Hospedeiras « que considerem bonitas, ou bem falantes, ou gentis , ou sábias, ou até: formadas », também é demonstrativo dessas assimetrias, sobretudo se considerarmos que muitas das Hospedeiras nem sequer têm de viver em dormitórios com camas alugadas ao dia. Todos estes elementos são bastante interessantes mas, achei que podiam ter sido mais explorados.

Já quanto à parte de o classificar como distopia... não estou propriamente de acordo. Não há nada de distópico no negócio da Golden Oaks, não assistimos a nenhuma forma de totalitarismo, opressão, desespero ou privação. Todas as Hospedeiras estão lá de livre vontade, e assinaram um contrato onde lhes foi dado conhecimento de todas as restrições (que, pelo que vemos ao longo do livro, podem até ser contornadas se os pais biológicos assim o entenderem).

Seja como for, A Quinta tem tudo para ser mais um sucesso comercial. Principalmente porque haverá muita gente que, como eu, irá comprar o livro a pensar que se trata de uma coisa... quando afinal é outra. 

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