Chocky O Amigo Invisível (1968) de John Wyndham
★★★★☆
Sinopse:
A família Grove já se tinha confrontado com o caso de uma amiga imaginária da pequena Polly, a filha mais nova do casal. Tinha sido um período atribulado mas, assim como viera, fora também esquecido. Porém, quando já não seria de esperar, é Mathew, o filho de onze anos, que começa a ter estranhos diálogos com um personagem aparentemente imaginário. A princípio, os pais tentam não se preocupar mas, à medida que o tempo passa, torna-se evidente que, longe de ser imaginário, aquele « amigo » tem caraterísticas claramente alienígenas. A situação assume proporções tais que Mathew acaba por ficar exposto à atenção dos meios de comunicação e, mesmo, dos sombrios lobbies governamentais. Do genial autor de O Dia das Trífides, este livro foi editado pela primeira vez em 1968.
Fonte: Wyndham, John. Chocky O Amigo Invisível. Barcarena: Editorial Presença (2010).
Opinião:
Numa das minhas pesquisas de livros pós apocalíticos, descobri o The Day of the Triffids, de John Wyndham, que entrou diretamente para a minha wish list. À medida que ia pesquisando outros livros dele, a lista ia aumentado, e um dos que me chamou a atenção foi este Chocky. Quis a sorte que, em Junho, a editorial Presença fizesse umas promoções fantásticas, e acabei por conseguir comprar este livro com 60% de desconto. Excelente negócio!
Porque é que demorei tanto tempo a comprar um livro que, mesmo sem estar em promoção só custa 12,90 euros? Porque era daqueles que eu queria ler mas, ao mesmo tempo, não me parecia que fosse daqueles que eu tinha mesmo de ler. Mas agora que o li, só me arrependo de não o ter feito mais cedo.
O título, Chocky O Amigo Invisível, dá a ideia de que o ambiente do livro será qualquer coisa parecida com o E.T. O Extraterreste. Por outro lado, se é O Amigo Invisível e não « O Demónio Espacial » ou coisa parecida, significará que, à partida, não vai rasgar o puto ao meio e deixá-lo com as entranhas penduradas, certo? Portanto, com base no título, fiquei com a ideia de que o livro seria qualquer coisa sobre o poder da amizade entre um humano e um alienígena, sobre a forma como as crianças têm a capacidade de aceitar diferenças que os adultos não aceitam, e todos aqueles clichés habituais. Resumindo: seria demasiado fofinho para mim.
Agora que o terminei posso confirmar que sim, é um livro fofinho. É um livro do qual muitas crianças irão gostar de ler mas que, ao mesmo tempo, vai deixar muitos adultos embrenhados em filosofias. Pessoalmente, fiquei de tal forma agarrada à história, que a li de uma assentada.
A história é narrada por David Gore, o pai adotivo de Mathew, que é quem assume uma abordagem mais racional e prática quando o filho começa a fazer perguntas estranhas, e a argumentar consigo mesmo acerca de assuntos como o porquê do ano ser composto por doze meses e o dia ter vinte e quatro horas. Para David, não há qualquer motivo para preocupações, e o melhor que podemos fazer nas circunstâncias atuais é simplesmente ouvir e observar cuidadosamente, até conseguirmos ter uma opinião mais fundamentada. Já a sua esposa, Mary, não encara a situação com tanta descontração, e desde cedo que insiste para que Mathew seja levado a uma consulta para saber se estamos perante algo invulgar ou simplesmente nada de preocupante. Esta diferença de abordagens relativamente ao suposto amigo imaginário, representa um dos pontos chave do livro: o conflito entre a aceitação de algo considerado diferente e o conformismo. Por um lado temos David, que encara tudo isto como um processo normal do crescimento e que, mesmo depois de chegar à conclusão de que existe realmente um ser alienígena envolvido, aquilo que manifesta é curiosidade e desejo de compreender o que se está a passar, talvez até uma oportunidade para aprender um pouco mais. Já Mary, por sua vez, representa completamente o oposto. Para ela, tudo o que não é normal é patológico e, por conseguinte, a prioridade é encontrar uma cura para que tudo volte ao que era. Voltaremos a este ponto mais à frente.
Enquanto os pais se debatem com estes dilemas, vamos assistindo à evolução da relação entre Mathew e Chocky, e percebemos que existe uma troca de saberes entre eles. Chocky parece uma criança curiosa acerca do nosso mundo, embora muitas vezes, considere algumas das nossas práticas como patetas ou ultrapassadas. Mathew, por sua vez, tenta fazer o melhor que uma criança de doze anos consegue fazer para explicar algumas coisas a Chocky mas, muitas das vezes, a única explicação que consegue dar é que só sei que é assim que as coisas são.
À medida que a relação entre eles evolui, começam a surgir evidências de que Chocky poderá não ser apenas fruto de uma imaginação fértil. A primeira vez que isso acontece é quando Mathew começa a usar o código binário nas aulas de matemática, e o professor decide ir falar com os pais. Na sua opinião, isto até poderia ser estimulante para um aluno com um dom para os números mas, esse não é o caso de Mathew, e portanto, sugere que seria preferível não interferirem tanto na aprendizagem porque quando uma criança é exposta a dois métodos diferentes, é mais provável que isso a confunda do que a ajude.
Este tipo de situações irá repetir-se em diferentes situações em contexto escolar, assim como fora dele. Aos poucos, e através das conversas de Mathew com o pai, começamos a perceber que Chocky não só consegue comunicar através de uma espécie de telepatia, como também, e apenas com a autorização de Mathew, tomar controlo do seu corpo.
Mathew deixa de ser um aluno normal, para passar a ser um aluno com um dom para a pintura, com questões pertinentes em geografia, com um interesse fora do normal por assuntos que não costumam interessar a crianças daquela idade. No entanto, sempre fez questão de dizer aos pais que o mérito é de Chocky e não seu. A mãe, que sempre enquadrou a existência de Chocky nas patologias do foro psicológico, mostra-se cada vez mais preocupada porque considera que existe algo de psicologicamente doentio, senão mesmo esquisito, quando se atribui todo o progresso a algo íntimo e não à própria pessoa.
Este conflito é o que ocupa grande parte do livro. Diria que não há propriamente um desenvolvimento nos acontecimentos - embora hajam algumas ocorrências determinantes - mas sim uma construção e um aprofundamento de toda esta experiência. Assistimos ao fortalecimento da relação de Mathew e Chocky, à preocupação crescente da mãe que acaba por conseguir que o filho seja visto por um psiquiatra, e a uma aproximação de David ao amigo imaginário do filho.
Gostei especialmente, e acho que é o ponto forte deste livro, do modo como Wyndham concilia conceitos de ficção científica com momentos normalíssimos do dia a dia. Ou seja, já sabemos que a relação entre Mathew e Chocky é o tema central do livro e temos realmente várias situações em que se explora essa relação mas, apesar de ser o tema central, não é algo que seja repetido exaustivamente. O que John Wyndham faz é integrar esta relação com um amigo imaginário no dia a dia da família, mas fá-lo de forma tão subtil que acaba por tornar tudo muito mais credível.
Mas, Chocky O Amigo Invisível também traz uma mensagem. Lembram-se de ter referido ao início que era um livro que, na minha opinião, tanto dava para ser lido por adultos como crianças? Pois bem, isso não significa que seja um livro infantil. Provavelmente, o que uma criança retira da história é que fala sobre um rapaz que tem um amigo imaginário que, afinal, é um ser de outro planeta. Mas, o que um adulto retira da história, pode ser bem mais do que isso.
Chocky é realmente um ser de outro planeta. De que planeta, nunca chegamos a saber, apenas que fica a muitos, muitos parsecs. Ficamos a saber que a sua mente foi enviada através do espaço para analisar se o nosso planeta seria colonizável mas, apesar de ter chegado à conclusão que não era, decidiu ficar por mais algum tempo para nos orientar porque, embora sejamos dotados de inteligência, ainda estamos num estágio muito rudimentar em comparação com a sua civilização. Sobretudo no que diz respeito à utilização das fontes de energia.
« Recentemente aprenderam a utilizar a energia armazenada do vosso Sol, pois isso é tudo o que os vossos combustíveis constituem, e chamam-lhe progresso. Não, isso não é progresso. Progresso é um avanço na direção de um objetivo. Qual o vosso objetivo? Não sabem, e porque não sabem é como se andassem à volta de um círculo, o que, na realidade, é exatamente o que estão a fazer, pois tudo o que conseguem é desperdiçar as vossas fontes de energia. E essas constituem o vosso capital: quando estiverem exaustas, voltarão ao ponto de onde partiram quando as descobriram. A isto não se chama progresso, mas libertinagem. »
E assim chegamos àquela que é outra das principais mensagens deste livro: o uso insustentável de recursos energéticos limitados. Segundo Chocky, energias congeladas não beneficiam ninguém. Mas usar não é abusar. Deveriam ser investidas de modo a produzir alternativas mais eficientes.
E o que é que nós fizemos durante anos e anos a fio? Usámos e abusámos. Só quando os combustíveis fósseis começaram a ficar mais caros e menos disponíveis é que nasceu esta preocupação de apostar nas energias renováveis (e ainda assim é uma preocupação que tem muito que se lhe diga porque, se não fosse o facto dos combustíveis fósseis serem finitos e a longo prazo deixarem de constituir fonte de rendimento, duvido que houvesse sequer um investimento em formas de energia mais limpas). Investe-se no que dá dinheiro e há sempre forma de rentabilizar tudo e mais alguma coisa: palhinhas de metal porque as de plástico poluem e as pessoas parecem ter-se esquecido de como usar a boca para beber diretamente de um copo, espátulas de madeira para beber o café porque as colheres de metal não são tão sofisticadas, kits de marmitas com talheres em bambu porque levar talheres de casa é coisa de pobre, roupas da moda a dizer coisas como « eu reciclo » que vão todas para o lixo quando aquilo que estiver na moda forem roupas a dizer « salvem os pandas ».
E isto tudo para dizer o quê? Recordam-se de ter referido que um dos pontos chave deste livro era o conflito entre a aceitação de algo considerado diferente e o conformismo, neste caso eram representados pelos pais de Mathew? Vamos transpor isto para a questão das energias renováveis.Já perceberam onde quero chegar?
Há sempre quem queira resistir à mudança. Há sempre quem ache que as coisas estão bem como estão, porque sempre assim foram. Que não há motivo para mudar, porque a mudança dá trabalho. E, tal como aconteceu com os pais de Mathew, o lado em que nos posicionamos vai influenciar o resultado.
Dave aceitou a ideia de um alienígena comunicar com o filho e, com isso, conseguiu aprender mais, ver fora da caixa. A mãe de Mathew, por sua vez, não estava minimamente recetiva a algo diferente daquilo que era a sua realidade e, por essa razão, não aprendeu absolutamente nada, apesar da oportunidade estar ali mesmo à sua frente.
Dou-vos um exemplo: o uso da bicicleta como meio de transporte. Quando vim morar para Lisboa, em 2013, ainda não existiam tantas ciclovias como hoje em dia. Quando se falou em construir a ciclovia na Avenida da República, foi um drama porque se ia estar a gastar dinheiro a construir algo que não seria usado e que, para além disso, ia roubar faixas aos carros. Agora que se construiu a ciclovia na Avenida Almirante Reis, há todo um novo drama pelos mesmos motivos. Os argumentos contra as ciclovias e bicicletas em geral são sempre os mesmos e, nem sequer é preciso esmiuçar muito para se perceber que são falaciosos e sem sentido. Mas então, porquê tantas críticas? Porque o problema não são as bicicletas, nem as ciclovias. O "problema" são as Mary's que não gostam de mudança, que acham que tudo deve permanecer conforme está porque sempre assim foi. Que continuam agarradas a meios de transporte poluentes e movidos a combustíveis fósseis porque é aquilo que conhecem e é aquilo com que se sentem confortáveis. E acho que essa é uma das ideias principais do livro: a mudança para melhor e a aprendizagem é possível, mas apenas se estivermos recetivos.
Para concluir, o que vos posso dizer é que Chocky é um daqueles livros que aborda questões bastante interessantes, mas fá-lo de uma forma tão despretensiosa que, só quando o acabamos e começamos a pensar no que lemos, é que realmente compreendemos que é muito mais do que a história de uma criança e do seu amigo imaginário. Comecei a leitura sem grandes expectativas, e acabei rendida ao enredo, às personagens, à escrita de Wyndham e à forma como aborda questões que, ainda hoje em dia, são tão fraturantes.
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