Tender Is The Flesh (2017) de Agustina Bazterrica

by - abril 16, 2023

 

Sinopse: Tudo aconteceu tão rapidamente. Primeiro, os animais foram infetados com o vírus e sua carne tornou-se venenosa. Depois os governos iniciaram a Transição. Agora, a 'carne especial' - carne humana - é legal.

Marcos está no negócio de matar humanos - só que ninguém os chama assim. Ele trabalha com números, remessas, processamento. Um dia, ele ganha um presente para fechar um negócio: um exemplar da melhor qualidade. Ele deixa-a no seu celeiro, amarrada, um problema a ser resolvido mais tarde.

Mas ela assombra Marcos. O seu corpo trémulo e olhar atento parecem entender. E logo, ele torna-se torturado pelo que foi perdido - e pelo que ainda pode ser salvo.

Opinião: "Tender is the Flesh": a criar vegetarianos desde 2017.

Algures no tempo, surgiu um vírus perigosíssimo para os humanos (pelo menos foi isso que os Governos disseram às pessoas). Como a fonte de transmissão eram os animais, e a solução encontrada foi algo tão atroz, que só mesmo um ser humano para a conceber: um extermínio ao qual nem os animais de companhia escaparam. 

Se o vírus realmente existiu, ou se essa era a única solução possível... bom, isso caberá a cada um colocar as questões que acha que deve colocar.

Claro que as muitas pessoas, tão habituadas - e viciadas - que estão em consumir quantidades absurdas de carne, começaram a experienciar alguns sintomas de privação e, apesar das alternativas existentes, nada se comparava a um bom bife. Aqui e ali, começam a surgir relatos de canibalismo. 

Por muito que esta ideia pudesse, ao início, parecer chocante, por outro lado era uma forma muito prática de pôr fim a dois problemas: a sobrepopulação e a escasses de alimentos. Isto leva-nos de volta à questão inicial acerca da veracidade da existência de um vírus. 

Para os Governos, era inegável que o canibalismo proporcionava respostas para alguns problemas e decidem legalizá-lo. Com ele, legaliza-se também a criação de humanos para consumo porque, afinal, « meat is meat ».

Ao longo da história acompanharemos a personagem central - que trabalha naquilo a que chamam "centro de processamento" - nas suas diligências, durante as quais teremos, entre outros, uma visita guiada e bastante gráfica de todo o processo de criação e abate de seres humanos. É chocante. Mas, se pensarmos bem no assunto, parece-me que é precisamente essa a ideia. 

Só quem vive com a cabeça enfiada na areia é que pode dizer desconhecer o que se passa nos centros de abate por esse mundo fora. Há quem se desculpe, justificando que hoje em dia « os animais são mortos de uma forma mais humana e indolor » . Pois... digam isso às galinhas que são escaldadas vivas, às porcas que passam a vida enfiadas num cubículo a parir a amamentar, às vacas que são penduradas pelas patas traseiras e estripadas. Esta realidade está à vista de todos, basta procurar. Ou não, e viver na doce ignorância de que os animais que consumimos têm uma vida longa e feliz. 

E isto tudo para dizer que a descrição do que se passa nos tais centros de processamento de humanos é realmente chocante, e triste. Mas que não é em nada diferente daquilo que se passa, nos centros de processamento de animais que existem hoje em dia. Para mim, esse foi o aspeto mais interessante do livro porque nos deixa realmente a pensar... Por um lado, há o choque e a indignação: como é que alguém é capaz de fazer aquilo a pessoas ?! (e atenção que, no livro, as pessoas são literalmente tratadas como animais. Aliás, nem sequer são chamados de "pessoas" nem lhes são reconhecidos quaisquer direitos). Depois, por outro lado, vem o confronto com a realidade, onde ficamos a pensar porque motivo é que aquilo é tão chocante mas se fossem animais já seria aceitável. 

A história vai mais fundo do que isto, muito mais.

Levanta muitas questões, e apresenta poucas respostas, precisamente para fazer o leitor refletir a respeito de tudo aquilo que lê e qual o paralelismo da ficção com a realidade.

A cereja no topo do bolo é um final extraordinário, completamente inesperado e que permite várias interpretações. Livro ideal para um debate acesso e para nos deixar a refletir durante algum tempo.


Boas Leituras

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