Forças do Mercado (2004) de Richard Morgan

by - julho 26, 2018

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★★★★☆
Sinopse: 
Richard Morgan convida-nos a mergulhar num futuro tão horrendo quão certo de estar já ao virar da esquina. Com o povo definitivamente afastado dos centros de decisão e as grandes corporações a controlar o mundo, a globalização é brutal e não há separação entre as salas de reunião e o sangue nas ruas.

Chris Faulkner é um executivo em ascenção no negócio dos Investimentos em Conflitos, onde as decisões são tomadas com duelos até à morte. A acção dá-se nas auto-estradas e os executivos, ao volante de carros artilhados, tentam atirar os rivais para fora da estrada.

No início, Faulkner prefere deixar os adversários no hospital e não na morgue, mas cedo terá de repensar a sua filosofia. E com o seu casamento a ruir, a consciência a pesar e os amigos a reduzirem-se, o nosso herói parece destinado a tornar-se num monstro ou num corpo mutilado.



Opinião [contém spoilers]: 

Depois de ter lido Carbono Alterado, as expectativas relativamente a Forças do Mercado, do mesmo autor, eram elevadas e... não fiquei desapontada.

Em comum têm, sobretudo, uma boa dose de violência gráfica e, claro, muita acção, sexo explícito e indivíduos de moralismo duvidoso.

A sinopse da contracapa diz que o livro é "uma mistura explosiva de Mad Max e Wall Street". 
Pessoalmente achei que tinha também ali uma boa dose de Psicopata Americano e dei comigo a imaginar o protagonista, Chris Faulkner, como um Patrick Bateman mas, sem a parte de andar a correr atrás de prostitutas com uma moto serra na mão. 

Psicopata Americano
Christian Bale no papel de Patrick Bateman | Psicopata Americano (2000)

Forças do Mercado situa-se nos finais de 2040, uma época onde os interesses corporativos são superiores ao próprio Governo e onde a população se encontra dividida pelo dinheiro.

De um lado, os executivos.
Tipos engravatados que trabalham para grandes corporações.
Que conduzem carros blindados e se digladiam na estrada.
Indivíduos que estão acima da lei e da moral.
Para quem tudo se resolve com a Nemex que levam no coldre ou o maço de notas que levam na carteira.

" - Oh, vamos lá, meu bando de coninhas - disse de maneira indistinta. - Estão com medo de quê? Nós temos armas. - Tirou a sua Nemex e agitou-a no ar. - Temos dinheiro, temos  esta cidade agarrada pelos tomates. Que puta de vida é esta se nós somos donos das ruas por onde eles andam, dos prédios onde moram e mesmo assim temos medo de lá ir, foda-se? Nós devemos estar ao comando desta sociedade, não a escondermo-nos dela." 

Forças do Mercado

Richard Morgan

Do outro lado, os indivíduo que vivem nas zonas, bairros à entrada das quais há postos de controlo.
Onde o ordenado mensal é muitas vezes inferior ao custo do par de sapatos de um executivo.
Onde as perspectivas de futuro são praticamente nulas.
Onde o vandalismo e a degradação são parte integrante da paisagem.

" Era uma transição abrupta. No distrito financeiro as ruas estavam inundadas por uma onda de halogéneo, que expulsava as sombras de todos os cantos. Aqui, a cada vinte metros de rua escura, os candeeiros eram como sentinelas solitárias. Em alguns pontos estavam apagados, com as lâmpadas fundidas ou esmagadas. Nos restantes locais, os candeeiros tinham sido destruídos de formas menos ambíguas, derrubados com pedaços de betão desfeito, ainda agarrado aos postes por meio de um emaranhado de cabos e tiras de metal."

Forças do Mercado

Richard Morgan



Chris Faulkner, que assume o protagonismo em Forças do Mercado, é um soldado desta nova ordem económica, que trabalha para a Shorn e Associados, a empresa mais agressiva no campo dos investimentos. Ao longo de toda a narrativa, iremos assistir - por vezes incrédulos - à forma como Faulkner vai passando de um idealista quase filosófico, a um verdadeiro anti-herói, o que, na minha opinião, constitui o ponto forte do livro.


Já em Carbono Alterado tivemos uma personagem, Takeshi Kovacs, que suscitou alguns sentimentos contraditórios e isso volta agora a acontecer com Chris Faulkner. Por um lado, há situações em que se comporta como um verdadeiro psicopata sedento de sangue como quando, por exemplo, mata um indivíduo à paulada (já agora: excelente descrição!) mas, por outro lado, percebemos que nem sempre ele está em sintonia com os valores da Shorn e Associados e que, a saída da empresa é algo em que pondera.

Será que esta dualidade de Faulkner constitui, na verdade, uma crítica social e política ?

Bom, há quem defenda que todos os livros, mesmo os mais fantasistas, têm a sua quota parte de crítica social (veja-se, por exemplo, o Senhor dos Anéis) e, depois de ter lido Carbono Alterado, onde o fosso entre ricos e pobres se traduzia nas sleeves que cada um podia comprar, acredito que também em Forças do Mercado o autor procurou explorar essa realidade, abordando questões como o capitalismo, o neoliberalismo, e o modo como o dinheiro influencia a ética e os valores de cada um.

Claro que, sendo este um livro de ficção científica, a tendência é enfatizar a ideia de que se trata de ficção. Mas, embora não espere que, pelo menos nos tempos mais próximos, as corporações ganhem tanto poder e as estradas se transformem em arenas, a verdade é que tudo é possível.


Mad Max: Estrada da Fúria
Mad Max: Fury Road (2015) 

No entanto, nem toda a gente gostou desta abordagem de Richard Morgan e, do lado dos leitores que não gostaram, encontrei algumas críticas no Goodreads que referiam, precisamente, que "o livro pareceu tão pateta, implausível e inverossímil" ou que "eu sei que é ficção científica, mas... executivos a subir a escada do sucesso matando oponentes em corridas de carros que culminam em acidentes fatais ?!"

Seja como for, nunca hei-de perceber os leitores que pegam em livros classificados como ficção científica e depois reclamam porque são implausíveis. É o mesmo que ir ver Star Wars e depois reclamar porque o Jabba the Hutt é irrealista e inverossímil, ou pegar num livro da Danielle Steel e reclamar porque tem muita pieguice pelo meio.


Star Wars: Episódio VI - O Regresso de Jedi (1983)
Jabba the Hutt | Star Wars: Episódio VI - O Regresso de Jedi (1983)

Mas, adiante.


Forças do Mercado é, tal como Carbono Alterado um livro com um ritmo bastante acelerado e temos uma demonstração disso logo ao início, quando Chris Faulkner é desafiado para um duelo na estrada. Ainda assim, há leitores que consideram que o livro é bastante lento durante as primeiras duzentas páginas. Pessoalmente não achei, embora compreenda este ponto de vista. A realidade é que, o quarto e último capítulo é realmente frenético e percebo que, em comparação, os outros capítulos possam parecer um pouco parados. 


Outro aspecto que é referido em algumas opiniões que li, é que ao início há uma série de informação que aparece do nada, sem qualquer tipo de contextualização e, aparentemente, sem qualquer relação entre si. Quanto a isto, tenho de concordar pois também eu me senti perdida no início e já estava a ficar irritada com informação que, para mim, não estava a fazer sentido. Mas, optei por não pensar demasiado no assunto e continuar a ler. As coisas acabaram realmente por começar a fazer sentido e, vendo agora em retrospectiva, acho que a intenção do autor sempre foi precisamente que o leitor se sentisse perdido porque, quando as peças começam a encaixar, somos obrigados a repensar a nossa posição acerca de determinadas coisas que aconteceram mas, à luz deste novo conhecimento.

E a posição acerca da qual mais temos de pensar e repensar é a que temos em relação às personagens. 
Este ano já li livros em que adorei as personagens, como o Artyom do Metro 2033 ou o Wade Watts do Ready Player One. Mas, naturalmente que são personagens criadas com esse propósito e daí serem muito heróicas e cheias de qualidades.
Também já li livros em que detestei as personagens, como o D-503 de Nós ou a Cassie do livro A 5ª Vaga. No primeiro caso porque o tipo era detestável, no segundo caso porque me irritou em todas as suas malditas aparições.
E depois temos os livros de Richard Morgan, em que o autor cria estas personagens que se situam numa zona cinzenta e nos levam questionar a diferença entre o bem e o mal, aquilo que define uma coisa e a outra mas, mais importante, onde é que se traça a linha que os distingue. Por exemplo, posso dizer que gostei do Chris Faulker, mas depois lembro-me que matou um tipo à paulada. Mas, por outro lado, esse é o mesmo Chris Faulkner que defende que nem sempre é preciso matar nos duelos.

"- Esta cena de matar ou ser morto é mais para os realizadores de cinema. É cruel, meu. Nem sempre é necessário matar. Isso é cruel. (...) Olha para a China, há alguns séculos. Houve casos em que dois senhores da guerra se sentavam no meio do campo de batalha e jogavam xadrez para decidir o resultado da batalha. Xadrez, Michael. Nada de mortes, nada de abates, apenas um jogo de xadrez. E eles honravam o resultado."

Forças do Mercado

Richard Morgan

O mesmo tipo de dualidade de sentimentos acontece em relação a todas as personagens do livro porque, embora inicialmente haja uma ou outra da qual gostemos mais ou menos, à medida que o livro se vai desenrolando e vamos conhecendo as suas motivações (umas mais duvidosas do que outras), lá vão elas para a área cinzenta e ficamos sem saber como nos posicionar em relação a elas. São personagens falíveis e imperfeitas. Adoro.

O reverso da medalha é que depois de personagens destas, temos de ter com o livro em que pegamos a seguir, porque corremos o risco de achar as personagens demasiado sensacionalistas (tal como me está a acontecer agora com o livro que estou a ler: O Caçador, de Lars Kepler).

Por último ... confesso que estava a tentar evitar spoilers ao máximo mas, a cena da morte à paulada está tão magnificamente detalhada que tenho de a partilhar mas, para manter algum suspense, vou ocultar alguns detalhes, como o nome do defunto (mais uma vez, a cena parece saída do Psicopata Americano)


Christian Bale no papel de Patrick Bateman | Psicopata Americano (2000)

"Chris acertou-lhe. Uma pancada lateral, com ambas as mãos a segurar no taco, puxando-o completamente atrás e imprimindo-lhe toda a força que tinha. Nas costelas do [spoiler]. Ouviu os ossos a quebrar, sentiu-os esmagarem-se na extremidade do taco. [spoiler] fez um ruído como se estivesse a sufocar e apoiou-se na esquina da mesa. Taco puxado para trás e nova pancada. No mesmo sítio. O [spoiler] deu um grito agudo. [spoiler] tentou intervir. (...) Desta vez acertou-lhe no rosto. O nariz do [spoiler] partiu-se, o osso por cima de um dos olhos cedeu. O sangue saltou, espalhando um jorro quente e molhado nas mãos e rosto de Chris. [spoiler] caiu ao chão e ficou deitado em posição fetal, ainda a gritar. Chris fortaleceu a posição, baixa e ampla, e começou a desferir pancadas como se estivesse a rachar lenha. Cabeça e corpo, num frenesim indiscriminado de golpes. Ouviu uns gritos roucos e percebeu que eram os seus. Havia sangue por todo o lado, a escorrer pelo taco, nos seus olhos. O brilho branco dos ossos expostos estava por entre a confusão que jazia aos seus pés. [spoiler] emitia apenas sons engasgados, gorgolejantes."

Forças do Mercado
Richard Morgan

Já em Carbono Alterado o autor nos tinha habituado a estes detalhes suculentos e, apesar desta cena ser a minha favorita, há muito mais ao longo do livro. 

Dito isto, estão avisados: há sexo, mortes violentas, sangue, duelos na estrada e drogas. Há pessoas espancadas e alvejadas. Há considerações filosóficas sobre moral, ética e dinheiro. Mas, sobretudo, há 441 páginas de um livro passado num mundo onde os interesses corporativos ultrapassam e se sobrepõem ao Governo, e onde os executivos se tornam celebridades ao competirem em duelos até à morte para subir na hierarquia.


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